Dedicatória
Dedico este
escrito ilustrado ao Joaquim Pereira Cardoso Mendes, que tão bem integrou a
nossa equipa de oficiais. Ausente em parte incerta desde Fevereiro, quero
acreditar que gostaria de ter visto o que aqui deixo.
Fotografias
O rebusco no
meu vasto acervo, à cata de imagens que ilustrem as narrações para o blogue,
tem sido bom pretexto para redescobrir lugares por onde andei. Mesmo quando as não
posso constituir documento por delas não ter tomado registo do onde e do
quando, conservo fotografias que por aqui e por ali fui tirando e jazem em
caixas velhas, em magazines de diapositivos ou penduradas em folhas de álbuns e
me acordam para horas idas. É que, tal como as cábulas do estudante pouco
aplicado o ajudam a colar a matéria só por tê-las escrito, as imagens que num
momento me foram importantes e por isso recolhi, tempo passado reactivam-me na
memória mecanismos que fazem do revê-las um prazer.
Verão quente
Deixei
Moçambique a duas semanas da Independência e amanheci em Lisboa no Dia de
Portugal.
Retomei o
serviço como adjunto do 2º Comandante da Base Naval de Lisboa. O calor com que
se vivia a época dilatou o Verão, empurrou-o,
tornou-lhe mais veloz o tempo e o relógio não o acompanhou. Havia pressa
de viver. Tendo seguido de longe a trajectória da revolução, estava por isso
mal sintonizado para a freqüência de emissão dos novos hábitos. Concordando
aqui, discordando acolá, ajustei-me quanto quis e pude ao som da banda, sem
adopção de cartilha ou rejeição de quaisquer amizades; e feria-me observar a
cisão que a mudança de paisagem provocava na Armada, onde as câmaras, a
contra-senso, perdiam a moldura de inclusão e liberdade.
Acabado o
Verão do calendário, mas ainda Verão Quente todavia, as singularidades não
paravam.
Para
continuar de bem comigo, repudiei, aliás sem resultado, junto do Comandante, a
complacência e cumplicidade com que na tarde de 15 de Outubro se permitia o
embarque dos SUV (Soldados Unidos Vencerão)
em
camionetas da Armada, estacionadas no mais emblemático local do Alfeite - o
largo fronteiro ao palácio, que depois de ter sido Real foi da Intendência, aquele
mesmo onde se iça a nossa bandeira.
Toda a gente
sabia que procuravam a subversão da hierarquia, tornando meras peças
decorativas de peso insuportável, os galões dourados que conquistáramos e por
direito exibíamos nos ombros. Toda a gente sabia que iam para Évora, onde
seriam mostrados os slôganes pintados nas peças de pano cru enroladas em paus, que
em grande quantidade entravam nos carros. O que não se sabia, mas adivinhava-se,
eram a sensatez, côr e tom das ‘verdades’ sugeridas em tais faixas. Mesmo
tratando-se de militares da Armada, usando (com aval de quem?) viaturas da
Armada, não consegui obter senão evasivas teóricas, cuidando antes de mais que
não fosse mitigada a liberdade(?) dos ‘angélicos’ cidadãos em uniforme.
Tempos
difíceis.
Falava-se à
boca pequena àcerca de uma medalha da Legião Portuguesa que deixara
inopinadamente de constar na Lista da Armada. Consultei as duas últimas listas.
O boato não era boato. Com frontalidade interpelei o camarada roubado e
perguntei-lhe se queria falar sobre o assunto. Fê-lo, com delicadeza e algum
constrangimento, mas também aí… nada mais do que evasivas.
Tempos
difíceis.
Para termos
uma visão do que se passava na unidade, o comandante Elias da Costa, Chefe do
Estado-Maior do Comando Naval do Continente, sediado no Palácio da Intendência,
o Semedo, de serviço ao CNC e eu, de divisão à BNL, fomos os três ao Salão Nobre,
quase cheio, onde, já ao fim da tarde ia começar uma reünião – julgo que de
teor sindicalista e com operários do Arsenal do Alfeite. Ainda me espanto, ao
recordar os olhares enxotadores misturados de vacüidade insolente com que nos
miraram durante a breve revista. Assim como se os intrusos fôssemos nós. E
fiquei sem saber a que título, sob que protecção ou compadrio, o Salão Nobre de
uma unidade naval de tôpo se tornara o palco legitimado de tal reünião.
Foi curta a
minha passagem pela Base. Na lista de nomeações compulsivas para o Ultramar ocupava
a quinta posição. Só que as quatro primeiras eram cativas de camaradas
submarinistas. E lá fui nomeado para Timor, já que o titular estava evacuado em
Macau com ferida ulcerada numa perna e outro oficial também em Macau que se
oferecera para o render desistira face ao evoluir dos acontecimentos no
território. Era previsível que viesse a encontrar muitas dificuldades e tivesse
que enfrentar cenários de perigo, no desempenho dos cargos de Capitão do Porto
e Comandante da Defesa Marítima. Não obstante, consegui tirar algum sarro da
situação ao pedir ingènuamente conselho ao camarada que me recebeu na 1ª
Repartição, sobre escola para os miúdos e roupas e palamenta para a casa onde
me alojaria com a família . Incrédulo – não era para menos perante a crescente
ameaça da Indonésia - perguntou-me:
- Mas você pensa mesmo levar a
família para Dili?
- Claro, não é um direito que me
assiste?
Não consegui
manter-me sério por mais que uns instantes; e vi-o relaxar-se no assento quando
percebeu que gozava. Estava duvidoso da minha sanidade.
Recebi
instruções no Estado Maior General das Forças Armadas. Também na Marinha, por
parte do Director do Serviço de Administração Naval – deveria envidar todos os
esforços para trazer de volta a Lisboa o cofre
que tinha ficado em Dili. E conversei ainda com o Governador, coronel
Lemos Pires, que me deu uma visão do que iria encontrar.
Viver Timor em Macau
Saí de
Lisboa com São Martinho: Zurique, Roma,
Calcutá, Banguecoque, Hong-Kong, Macau. Desembarquei a tiritar na data do
Grande Prémio de Automobilismo. Faziam
dois graus de temperatura e eu vestia uma balalaica adequada ao tempo atmosférico
quente de horas antes na Tailândia.
Ninguém se
deu à cortesia de me receber. Fiquei surpreendidíssimo com o grande
desconhecimento linguístico evidenciado por toda a gente que interpelei para me
orientar. Nem em inglês me safei. Mesmo com a Polícia Marítima nada consegui.
Icei numa imaginária adriça o sinal de actuação independente e depois de em vão
ter tentado entender-me com um táxi chinês de língua, procurei um riquexó.
Inteligente, o condutor abriu com enfâse um mapa da cidade e confrontou-me com
ele. Lá apontei uma ‘dockyard’ e o desenho de uma âncora e acertei em cheio na
Capitania. A coïncidência de ser Domingo não facilitou nada. Fui em busca do
Comandante à cerimónia de distribuição de prémios de automobilismo. Disse-me o
que sabia, que pouco era. Voltei às instalações navais. A casa que me fôra
destinada estava preparada para o Verão, era uma casa de Verão. Com janelas
fechadas com vidros rotativos justapostos e com apenas dois lençóis e uma almofada
carecidos de água e sabão, teria sido um frigorífico perigoso se camaradas mais
novos ali servindo me não tivessem valido, com mantas, toalhas e outros
aprestos.
E pensar que
por duas vezes, havia apenas um ano, o recebera como um ‘princês’ na residência
do Capitão do Porto de Quelimane…
O porquê de
ter ido para Macau e não para a Ilha de Ataúro prendeu-se com a primeira das
tarefas que me fôra cometida: levar para Timor o rebocador ‘Lifau’, já em fase
final de reparação e aprontamento. Via Sidney, cheguei a ter aprazada uma ida
exploratória a Ataúro, que não fiz por ter coïncidido com a invasão.
Tomei posse
em Macau do cargo de Comandante da Defesa Marítima de Timor. Fui assim, ‘in
nomine’, o último oficial no cargo, com o cunho singular de nunca lá ter posto
pé.
Já em
Dezembro de 1961, a caminho da Índia [a], invadiram-na antes que chegasse. Agora
em Dezembro de 1975, repetiu-se a cena, com Timor. Camaradas amigos,
recomendavam-me depois com graça que não me aproximasse dos Açores.
Mas conheci
Macau, a que desde sempre ouvira meu pai tecer loas. A bordo dos NRP’s “Pátria”
e “Carvalho Araújo” ali esteve, jovem marujo, entre 1922 e 1927. Tanto tempo
depois , em apenas trinta e seis dias, não tive tempo de aquilatar da bondade
das suas lembranças. Mas gostei da experiência. De regresso a casa, deixei
Macau em 22 de Dezembro. Sempre tão lesto para fotografar, não entendo porque
razão só naquele mesmo dia e muito à pressa, fiz uns quantos disparos, quase
obrigatórios. Aqui deixo a imagem de uma rua (dos ‘tintins’) e em contraponto
uma outra de 1923, em que meu pai é o ‘chinês’ da esquerda.
Rua António Maria Cardoso
Em
Quelimane, presidi à Comissão de Extinção da ex-Pide/DGS. Poucos dias depois do
regresso de Macau, voltei a lides semelhantes, só que desta vez na mais odiada
de todas as pides, a sede, na António Maria Cardoso, para chefiar uma das três
secções da Comissão de Extinção: a dos informadores.
Eram cerca
de quatro centenas os processos a decorrer. Alguns havia em que as páginas não
estavam autenticadas, noutros faltavam páginas e em outros ainda, a primeira
página, a que originava o processo, não estava assinada. Nos dois meses e
dezanove dias em que ali estive, tudo quanto fez a esforçada equipa de dois
advogados em cumprimento de serviço militar e meia dúzia de escrivães do êxodo
de Angola e de Moçambique, foi honestar toda aquela papelada, fazendo
corresponder a uma verdade formal a herança encontrada. Folha a folha, auto a
auto, tudo foi inventariado, numerado, autenticado e assinado. Para a fase
seguinte já ali não estive. Mandaram-me comandar em outras águas, mais
desejadas.
NRP “General Pereira d’Eça”
Foi-me dado
o comando da corveta “General Pereira d’Eça” em Abril de 1976. Atingia assim o almejado
patamar, motivo primordial de ser oficial de Marinha: comandar um navio. Em 1º
tenente, nos anos sessenta, tinha já sido comandante da “Montante”, mas o cargo foi apenas circunstancial e não mo
credito em pleno por não termos navegado.
Última
das três corvetas construídas na Alemanha em 1970, a ‘Pereira d’Eça’ deslocava
1400 toneladas, media 85 metros e tinha o número de amura F 477. Já nos
conhecíamos de Moçambique. Tinha tido aliás ocasião de influenciar a sua ida a
António Enes em Agosto de 1974 para conter os desmandos em crescendo na cidade
e arredores. Guarnecida por uma centena de homens, ia por metade quando assumi
o comando.
Fabricos
Alada no
plano inclinado do Arsenal do Alfeite, sujeita a grandes reparações, ali
estaria por alguns meses ainda.
Seis anos longe,
impediram que tivesse acompanhado a renovação dos quadros. Oficiais, sargentos
e praças, eram quase todos caras desconhecidas. Pormenor de pouca monta, já que
a família naval dava os primeiros passos rumo à coesão perdida. Pequenos
passos, é certo, mas esperançosos.
Não podendo o
pessoal eximir-se à influência de uma sociedade em mutação, se as boas mudanças
eram benvindas, outras havia que, principalmente entre a malta mais nova,
ocasionavam ‘falhas de fogo’. Mas como para o enquadramento havia gente de boa cêpa,
resolveu-se pedagògicamente e com facilidade o que foi ocorrendo. Toda a gente
parecia interessada em cumprir bem.
Com o navio
no plano, não havia sanitários nem rancho a bordo. Para os primeiros, usávamos
os do Arsenal; e o almoço era nas messes da Base. A caminhada obrigatória para
chegar às viandas tornou-se-me um suplício. Cruzava-me com muitos marujos que
ostensivamente ignoravam os símbolos que me acompanhavam: o boné, a patente e
até alguns cabelos brancos que começavam a espreitar nas fontes. Restos dos
ardores ‘SUViéticos’ de tempos atrás… Não conseguia fingir que os não via.
Interpelava-os e obrigava-os ao cumprimento militar, correspondendo sereno e
cortês. Era um chato. Até um 1º sargento enfermeiro tive que compelir a
saüdar-me; e esse teve contrapêso, pois além de ter de cortar a trunfa
desmedida, obriguei-o a ir ao oficial de dia à Base mostrar que o tinha feito. Havia
dias de menor paciência em que para me escusar a tais obrigações, ia almoçar à
paisana.
A reparação
avançou, a guarnição compôs-se, o navio desceu o plano e foi dado como pronto.
Seguiram-se provas de mar
Treino
e depois o treinamento
de todo o pessoal - PTB (Plano de Treino Básico) - que teve como pontos de
apoio Tróia e Funchal, onde, em momentos de convívio se registaram as duas
imagens abaixo.
Açores
Largámos
para comissão no Arquipélago dos Açores no início da Primavera de 1977.
Na Madeira a
FLAMA (Frente de Libertação do Arquipélago da Madeira); e a FLA (Frente de Libertação dos Açores) nos
Açores, aproveitavam a generosidade de uma democracia nascente para com alguma
demagogia e muito populismo, agitar as massas contra os ‘cuntenentais’ e
obterem da rèpública a atenção que de facto lhes ia faltando. Os mais visíveis
embaixadores de Lisboa éramos nós, os
marinheiros, que com regularidade patrulhávamos aquelas águas e nos mostrávamos
nos portos. O relacionamento que mantínhamos com as populações e com as
autoridades variava imenso de ilha para ilha, sendo que S. Miguel era a menos
amigável. Em Ponta Delgada, com uma sociedade muito fechada e pretensiosa, as
gentes eram inamistosas, chegando por vezes à agressividade.
Fui a cumprimentos
ao Comando Naval assim que atracámos. Depois, os muitos afazeres relacionados
com a chegada e ajeitamento da estadia retiveram-me a bordo por três dias.
Quando finalmente consegui ir a terra fazer uma caminhada e tomar ar, foi a agradável
e convidativa calçada marginal sobranceira ao porto que escolhi para
passear. Pouco havia andado ainda,
quando vi dois rapazes sentados no murete que limita a calçada. Justamente no
momento de passar por eles, para aí a uns dois metros, ouvi uma voz:
- Cheira a merda…
Estaquei.
Hesitei um momento. Como reagir? O pensamento é muito veloz… Virei-me
ligeiramente para trás, encarei-os e disse:
- Cheira… e é daí.
Não
retorquiram. Faltava-lhes convicção. Talvez não esperassem resposta. Ainda bem.
Somadas, as idades dos dois, pouco excederiam os meus quarenta anos. Podia ter
sido uma chatice… Fiquei sem saber se se dirigiam ao continental ou ao
comandante da corveta. Em qualquer dos casos que raio de jeito ou sinal
identificador levava comigo?
Naquela
cidade não éramos benquistos, quer como nativos da Pátria-Mãe, quer como
militares da Armada. As coisas tinham azedado um ou dois anos atrás, durante
uma estadia da fragata ‘Comandante João Belo’. Não sei o que se passou senão de
ouvir dizer. E o que diziam os micaelenses era que tinham visto aquele navio içar a bandeira do partido comunista.
Impensável. Plausível é terem visto a bandeira “B” do Código Internacional Sinais,
obrigatória
durante fainas perigosas, como reabastecimento de combustível ou manuseamento
de munições. Seja o que for que tenha sido, fez mossa no imaginário daquelas
gentes.
Já que falo
de símbolos, o endereço radiotelegráfico da ‘Pereira d’Eça’ era ‘CTFC’,
usava este
escudete
e mais tarde teve esta medalha.
Em outras
ilhas, porém, honra lhes seja, os habitantes recebiam-nos muito bem, eram
cordiais e gratos por pequenas facilidades que a nossa presença lhes
proporcionava. Sempre que foi possível, fez-se transporte ocasional entre
ilhas, de pessoas e de bens de consumo em falta no destino.
Também
levámos connosco grupos culturais, como foi o caso do famoso Rancho Folclórico
da Candelária, do concelho da Madalena, no Pico. As bandas e os ranchos, são
(eram) polos de recolha cultural com grande difusão no arquipélago.
Era na Ilha
de S. Jorge, no pequeno burgo das Velas, onde os residentes, simpáticos e
generosos, nos recebiam com muita civilidade que procurávamos passar as nossas
folgas. Retribuíamos a sua simpatia tão bem quanto sabíamos. No
Dia de São Jorge, estivemos presentes:
Tivemos a
bordo a visita da banda;
e daquela
boa gente.
Dois dias
depois voltámos a embandeirar em arco, na Horta, em intenção do mais recente
feriado português, de apenas três anos: o 25 de Abril; e aproveitámos para umas
quantas fotografias daquelas que ficam para memória naval futura.
Estávamos em Santa Maria num dia em que o Concorde ali pousou. Não perdi a ocasião de o ver e fixei-o no momento em que se erguia airoso.
Mas
fotografei muitos outros motivos:
Uns…
bem saborosos
Outros, que
cheios de soberbia, se impunham ao fotógrafo,
E outros
ainda… tão esperados, mas chegados por fim.
Muito
arreigado no povo, o culto do Senhor Santo Cristo dos Milagres, festejado no
quinto Domingo depois da Páscoa, é um deslumbramento de fé, de luz e de cor.
Calhou no meio de Maio. Em Ponta Delgada na altura, não quis deixar de
presenciar e registar imagens:
Muito trabalho
deu, fazer perceber aos micaelenses da capital, que a posição de bandeiras como
as do varandim da imagem não era escolhida à matroca, mas que obedecia a
prioridades protocolares; e que a bandeira da Rèpública tem precedência sobre a
da Região Autónoma. Quando dávamos por nós tinham trocado as posições. Lá
mandava uns quantos homens repôr as coisas no são. No dia seguinte a cena
repetia-se. Durou algum tempo.
Entretanto,
embarcaram fuzileiros.
Só
passados trinta e cinco anos, ao digitalizar estes diapositivos, me dou conta de
que fotografei a ‘Flôr de Peniche’, ainda toda lampeira, em faina de pesca. Viria
a afundar-se pouco mais de um mês depois.
Conservo
ainda a bóia de salvação que o mestre ofereceu e me veio parar às mãos, quiçá a
mesma bóia que se vê por ré da cabina.
Foi por esta
altura que efectuámos um exercício de tiro,
na sequência
do qual estranhámos o aparecimento nas imediações do alvo de dorsos de cetáceos.
Aproximei o navio, persegui os animais de perto e pudemos, da ponte, ser
testemunhas de um espectáculo incrível: duas baleias (ou cachalotes) de grande
porte amparavam uma outra mais pequena que sangrava com abundância de um
flanco. Em termos marujos dir-se-ia que navegavam as três de braço dado. Presumo
que o acaso levou a que um dos projécteis tenha atingido a pequenota que apesar
disso nadava ao ritmo das salvadoras, quase à superfície. Sentindo a nossa
proximidade, mergulharam mais fundo, sempre as três, muito juntas e sincronizadas.
Percebemos estar a mais e deixámo-las em paz. A distância e os reflexos na
superfície impediram que fotografasse a cena tal como aconteceu. Recordação
magoada do acidente, registei no entanto a fotografia abaixo.
A equipa de
oficiais não se fazia rogada e posava mais uma vez.
Vê bem,
Victorino, que afinal, não havia mau
tempo no canal.
Se bem me lembro, só não aterrámos a duas ilhas: Corvo e
Graciosa. Quando o mar se zanga no arquipélago, é muito bom a zangar-se. Foi o
que nos impediu de fazer o pleno das nove. Rápido na mudança de humores, obrigava-nos
a dar-lhe muita atenção. Uma vez, estávamos fundeados nas Flôres, tive de ir a
terra falar com o Capitão do Porto, camarada e amigo de longa data. Para não
empatar pessoal fui sòzinho num bote de borracha, mar chãozinho, todo de corpo
bem feito. Demorei mais tempo do que estimara a ver o resto das instalações da
Estação Loran. O regresso a bordo, percurso não muito extenso, de início
possível, ainda que não muito recomendável, já roçava o perigoso quando subi a
bordo completamente encharcado. Flôres, é uma ilha algo fora das ofertas
turísticas, com paisagens de paraíso…
A equipa de futebol do navio espalhava espectáculo pela aparada relva dos estádios…
…e regressava a bordo feliz com qualquer resultado.
Depois, convivia-se:
Entrava Junho e o cumprimento da missão, ia sendo mais
fácil do que se previra. As ocupações próprias da vida do mar libertavam-nos da
fixação na lonjura, de nossas mulheres, filhos, namoradas, pais… amigos. Mas os
ócios, as noites, mesmo em horas de vigília nos postos de quarto, clamavam por
silêncio e meditação, dois atalhos naturais da saüdade. Chegados aí, havia já
quem se perdesse em rimas:
Dois amores
Quando longe navego pelo mar
Que me afasta de teus beijos tanto
Cresce em mim o desejo de odiar
Ao que por ti faz discorrer meu pranto
Olhos postos no dia de voltar
Mais perto cada vez que me levanto
Persigo o tempo num temor sem par
Feito de sonho e de quebranto
Pois se é grande a saüdade de te amar
Se por ti vivo choro e canto
E te adoro quase santa num altar
Onde te vejo em suave manto
Vê que só estarei de volta ao lar
Prenhe deste mar em que me encanto
É quando uma
tarefa se torna rotineira que a confiança deslassa a atenção e as coisas más
acontecem. Atracar e desatracar tornou-se uma rotina. Em Ponta Delgada, foi
sempre por bombordo que atraquei a corveta ao molhe, a proa apontada ao concâvo
do porto. Uma vez houve, no fim de Junho, em que quis ficar de proa virada para
a saída. Com pouco espaço, a manobra de rodar o navio, mais difícil, obrigava a
fazê-lo girar sobre o ferro. Correu bem e atracámos então por estibordo. Passados
dias, para desatracar de entre dois grandes mercantões entretanto chegados, tendo
sujeitado o navio à proa por duas espias,
postas defensas entre a amura e o cais, afastei a popa com a máquina de
bombordo a vante. Depois de umas palhetadas a ré, ficámos paralelos ao cais e afastados
dele o suficiente, orientados para a saída. Máquinas a vante devagar e ala! Aí
aconteceu a surpresa: com pouco andamento, o navio foi presa de um vento brando
que não tinha percebido, soprando da amura de bombordo. Acelerei a máquina de
estibordo que aumentou a velocidade mas não chegou para guinar; o leme não teve
tempo de fazer efeito e a corveta, obras mortas como se foram vela, voltou ao cais.
O embate não foi pequeno. Coisas do fado de cada um, Eolo, que arrastado por si
próprio tinha embarcado sem que se desse por ele, cuidou de que não houvesse
consequências. O navio bateu paralelo à muralha, exactamente no vazio que ali
deixara, sem tocar em nada que não fosse o cais; e a pancada, ela própria uma
força, actuou sobre a elasticidade do casco que reagiu como mola, afastando-se,
aproado de novo à saída. Respirei fundo e fiquei em débito com mais aquele deus,
que fez o mal mas se escusou à caramunha.
Fomos para
os Ilhéus das Formigas, em missão de apoio a obras a realizar no farol.
‘Citicorp Traveller 1’
Três dias e
meio depois, no primeiro de Julho, regressámos a Ponta Delgada e atracámos ao
N/M ‘Ribeira Grande’, era quase meia-noite. Fomos de imediato alertados para a
possibilidade de nova missão, agora de busca e salvamento. Assim foi. Houve
ordem para largar no fim da manhã seguinte, e procurar a lancha ‘Citcorp
Traveller 1’, à deriva a Leste quarta a nordeste da Ponta Arnel, a cerca de 200
milhas. Largámos era quase meio-dia.
Mais lento, saíra horas antes o rebocador ‘S. Miguel’, levando gasolina especial para reabastecer a lancha, uma vez encontrada. Era uma e meia, recebeu-se mensagem do N/M ‘Elizabeth Maersk’ comunicando posição, rumo e velocidade e informando que rebocava a ‘Citicorp Traveller 1’. Fez-se rumo a um ponto de encontro. Com algum desnorte, o rebocador ‘S. Miguel’, alegando falta de víveres, resolveu voltar a Ponta Delgada, contrariando uma mensagem do Capitão do Porto. Quando recebi instruções para ir dar ao rebocador o que precisasse, já ele se aproximava da ilha de S. Miguel, pelo que uma contra-ordem fez voltar tudo ao princípio, isto é, fomos de novo ao encontro do ‘Elizabeth Maersk’, que avistámos pouco depois das sete horas.
Largado o
cabo de reboque, a ‘Citicorp Traveller 1’ navegou até nós que passámos a seu navio
rebocador.
Mantiveram-se
a bordo três dos tripulantes; e embarcámos um quarto, o Dr. Magoon, que nos fez
relato dos sucessos.
Tratava-se
de quatro médicos oftalmologistas americanos que gostavam de barcos e
resolveram atravessar o Atlântico entre Sagres e Nova Iorque, com escala para
reabastecimento nos Açores, tentando fazer a travessia em menor tempo que
outros haviam conseguido antes. Arranjaram patrocínios, uma embarcação adequada
com quatro potentíssimos motores à popa, treinaram-se e pediram ajuda aos
serviços meteorológicos do seu país que lhes indicaram um intervalo de tempo em
que – asseguraram – não encontrariam ondulação superior a meio metro. Sendo a
quantidade de combustível finita e fixa, a interligação espaço, velocidade,
tempo, dependia do consumo; e este aumentava com a altura da vaga a vencer.
Pelos vistos, os técnicos consultados esqueceram-se das condições
meteorológicas nativas da região, em que é soberano o anticiclone dos Açores; e
este entendeu que as vagas teriam dois metros. Como resultado, acabou-se-lhes o
combustível – conservaram uma pequena reserva - e ficaram a boiar a duzentas
milhas de S. Miguel.
A viagem de
regresso decorreu muito bem e às duas e meia da manhã do dia três de Julho
estávamos em Ponta Delgada, de novo atracados ao ‘Ribeira Grande’.
Por pouco
tempo.
‘Flor de Peniche’
Mal tinha
pegado no sono, fui acordado. O 1º tenente Abrantes Lopes avisava-me que uma
traineira, a ‘Flor de Peniche’, estava a afundar-se 30 milhas a Su-sudoeste de
Ponta Delgada. Fez-se alvorada de imediato. Numa freqüência de socorro falei
ainda com o mestre da embarcação que só teve tempo para me dizer que estimava
estar a cerca de 30 milhas a Sul da Ponta dos Mosteiros, que a água estava a
chegar à bateria e iam abandonar a embarcação. Meia hora depois do alerta,
largámos. Com algum risco, visto que os motores tinham tido apenas vinte
minutos de aquecimento em vez do tempo recomendado de uma hora.
O estado do
mar – pequena vaga – permitiu uma velocidade de 22 nós com que se navegou para a
posição fornecida pelo mestre, onde se chegou um quarto de hora depois das sete
locais. Nada à vista!
Reduziu-se a
velocidade. Atentou-se na batimetria, já que a embarcação estaria em faina de
pesca e a profundidade não seria grande. Consideraram-se além disso o vento e a
vaga. Desta observação resultou uma direcção de busca – E I I/4 SE (107) - sobre a qual fomos ziguezagueando e fazendo
desvios para investigar algo que parecesse destroço ou gaivota que pudesse
significar peixe à superfície. Entretanto, todos os binóculos eram assestados
sobre o mar.
A uma
distância já roçando o limite de contacto rádio possível com o Comando Naval
dos Açores quis saber quando poderia contar com a ajuda de alguma aeronave:
- Olha lá, quando é que vem um avião?
- Eh pá, inda bem que lembras isso.
Vou já pedi-lo.
Passado
algum tempo – sempre dando crédito à posição dada pelo mestre da ‘Flor de
Peniche’ - entendeu-se não ser provável que os náufragos estivessem mais longe
naquela direcção e mudou-se o rumo para
334, aproando a fundos menores, sobre o banco de pesca.
Assente embora
no maior número possível de dados concretos, uma busca nas circunstâncias da
que fizemos tem muito de aleatório e intüitivo, assim como que uma espécie de exercício
de adivinhação a que a sorte não é alheia. Olhar bem para a carta, ver o mar,
cheirá-lo… decidir um rumo quase inverso
de outro a que se navega, o que se escolheu e não outro… pensar nisto, traz-me
à lembrança que “aqui ao leme sou mais do que eu”.
De repente
avistou-se um Boeing 727 da TAP.
Através de
uma teia de equipamentos – Navio – Canal 16 VHF – Pilotos de Ponta Delgada –
Telefone – Comando Naval dos Açores – Telefone – Torre de Contrôlo do Aeroporto
– Rádio – Avião – usada nos dois sentidos, o Comandante do Boeing assinalou a
posição dos náufragos 4 milhas a Norte da nossa posição.
Indicação
preciosa. Ao rumo a que navegávamos ficar-nos-iam a 1.7 milhas pelo través de
estibordo. Vê-los-íamos… ou não. Assim, estavam encontrados.
Interessante
é a história que me contaram, da entrada do Boeing nesta história. O Comandante
do avião, já sobre a pista, preparando-se para pousar e em comunicação com a
torre de controlo, ouviu um pedaço da conversa àcerca da busca dos náufragos,
que no emaranhado de equipamentos usados, atrás descrito, estava ligada a um
altifalante. Por sua alta recreação borregou o avião, ganhou altura e pediu
pormenores. Senhor da situação, em boa hora se associou à busca. Bem haja.
Também me
disseram que, em contraste, houve passageiros apressados que o xingaram pelo
desvio.
Ao novo rumo, os binóculos concentraram a atenção na proa. E pouco depois avistou-se o colorido das bóias de sinalização das artes de pesca.
Cheguei o
navio a 200 jardas do amontoado de gente e bóias. Impacientes – claro que
tinham de estar impacientes – três artistas desataram a nadar para nós. Tive
que me afastar com máquinas a ré a toda a força para manter capacidade de
manobra. Devem ter-nos chamado bonitos nomes…
Mantive o
navio a uma distância safa – 500 jardas - e mandei arriar o bote de borracha
dos fuzileiros. Face à demonstração de pânico dos nadadores dei ordem ao cabo
para que fosse armado. Eram quinze homens que não podiam ser recolhidos de uma só
vez, tornava-se necessário antecipar dificuldades. Que houve de facto, enquanto
o bote não largou da improvisada jangada com os primeiros oito pescadores.
A água
estava a 19 graus. Havia cerca de três horas que tinham naufragado. Para se
fazer ideia de como o meio é adverso, dois dos homens já estavam em estado de
pré-choque por hipotermia. Eram os mais idosos e rondavam os 50 anos. Vieram na
primeira leva e tiveram que ser içados com cabos à volta do corpo, dados a
extrema fraqueza e rigidez em que se encontravam e a ondulação não permitir o
embarque de outro modo.
Agora de
viva voz, quando cheguei de novo à conversa com o mestre, que veio por último,
contou-me ele ser de Peniche e estar a viver o seu quarto naufrágio. Já batido,
quando percebeu que o barco se afundaria, instruiu os homens para amarrarem
tudo o que pudesse flutuar, amarrando-se depois eles próprios ao flutuador
assim criado. Uma vez no mar recomendou-lhes que se mexessem, agitassem,
batessem palmas, gritassem, não parassem de se movimentar, para se manterem
quentes. Mas acrescentou que esta última recomendação foi quase letra morta. O
movimento mais usado para aquecer, foi pôr as mãos em oração ao Senhor Santo
Cristo. Não estava por isso admirado do estado em que os dois mais velhos
tinham chegado.
Uma vez a
bordo, foi admirável a espontaneidade com que se formou uma vasta equipa de
assistência solidária. Toda a marujada queria ajudar. Aquilo eram toalhas,
aquilo eram mantas, massagens com álcool, aquilo eram bebidas quentes, palavras de ânimo,
um sem fim de pequenas e por vezes emocionadas acções sobre os involuntários
protagonistas, que comoviam. O sargento enfermeiro Cebôla, discreto e eficiente foi dirigindo
a manobra.
Era quase
meio-dia local quando voltámos a atracar ao ‘Ribeira Grande’. Tinha entretanto
sido pedida uma ambulância para os dois pescadores em piores condições. Um
deles, porém, reagiu e recompôs-se antes da chegada a Ponta Delgada.
Um imenso
aglomerado de gente aguardava os sinistrados. Assistiu-se às cenas de emoção
que tais circunstâncias propiciam: a mulher que recupera o marido, o irmão que
abraça o irmão, toda uma alegria com lágrimas que também toca os de fora.
Entre os de
fora, naturalmente a guarnição da ‘Pereira d’Eça’, que tanto se empenhou no completo
salvamento dos quinze naufragados. Fez-se o que se fez por dever de profissão,
no cumprimento de uma missão, a nossa
missão; e por amor ao semelhante. Não nos são devidos agradecimentos ou
encómios. Mas, simpatia, cortesia, cordialidade, expressas numa palavra, num olhar
num pequeno gesto, ter-vos-iam ficado tão bem… caros pescadores resgatados ao
mar! Não falo do mestre que com delicadeza me expressou o seu agradecimento.
Falo de vós, que tão devotamente ouvi a bordo em preces de gratidão ao Senhor
Santo Cristo, sem que sequer me tivessem olhado. Ainda bem que todos nós, nós e o Senhor Santo Cristo, tão bem cooperámos para vos trazer de volta aos lares.
‘Regina Maria’
Os
salvamentos não ficaram por aqui. No fim da manhã de 5 de Julho, recebeu-se
informação de que a traineira ‘Regina Maria’ estava à deriva, a Nordeste da
Ilha de Santa Maria, a 6 milhas da costa. Largou-se em pouco mais de meia hora.
Antes de três horas passadas, avistou-se a traineira, na Baía de S. Lourenço, a
reboque da lancha de pilotos de Vila do Porto, sob as ordens do Capitão do
Porto. Uma hora depois já éramos nós que a rebocávamos. Mas o mau estado do
cabo que a ‘Regina Maria usou para ligação ao nosso cabo, fê-lo partir-se .
Enquanto preparava novo cabo, a traineira abateu com rapidez para uma posição
extremamente perigosa, muito perto de pontudas rochas, agressivamente à vista. Aproximei
o navio de popa para encurtar a distância e facilitar a manobra, cujo sucesso,
por isto ou por aquilo, tardava. Quando consegui pôr a popa junto da traineira
e se firmou o reboque, a ‘Pereira d’Eça’ estava a 250 jardas das rochas. A ter
falhado esta tentativa, a ‘Regina Maria’ iria sem apelo contra os escolhos, com
conseqüências facilmente previsíveis, porque eu não podia arriscar mais a
segurança do navio. Chegámos a Ponta Delgada já noite. À entrada do porto
entregou-se a traineira a um rebocador que a levou para dentro.
Dia da Marinha
Ao tempo, comemorava-se a 8 de
Julho, dia da largada de Vasco da Gama para a Índia. Em 1977, o Comandante Naval
dos Açores visitou-nos.
Mota Amaral
Na
antevéspera do regresso a Lisboa, da tarde para a noite, alguém do governo da
região, pediu à prancha para falar com o Comandante do navio. Recebi o enviado
na camarinha. Formalizou um convite do Presidente do Governo Regional para que
me juntasse a ele nessa noite, numa cerimónia de distribuição de prémios do IV
Campeonato de Vela da classe 470 e no jantar que se lhe seguia. Resolvi não dar conta da deselegância do convite sobre a hora e decidi aceitar. Pedi ao
Imediato que se aperaltasse e fosse comigo. Pela minha parte, decerto como reacção
ao procedimento inamistoso dos micaelenses, com uma pontinha de acinte, optei
por um figurino provocatório: um belíssimo fato ‘Pierre Cardin’ bege comprado
anos antes num saldo em Joanesburgo, uma camisa de seda natural no mesmo tom,
desentranhada de uma prateleira do Dahramcy em António Enes; e sobre este
fundo, que mal se distinguia da pele, um imenso laço vermelho vivíssimo que
tornava invisível tudo o resto.
Mota Amaral,
homem político, inteligente, percebera que os sucessos dos últimos dias podiam
ser um ponto de partida para algum desanuviamento no clima de fricção que atrás
julgo ter mostrado um pouco. Trocámos algumas palavras de circunstância e no
fim do jantar, aos brindes, dirigiu-se-me, enaltecendo e agradecendo o que
tínhamos feito. Mas de tal maneira o nome do outro navio tinha ocupado o
imaginário daquele povo, que quando quis dar nome à corveta chamou-lhe ‘João
Belo’. Não pude deixar de o emendar no acto. Reagiu bem… deixou-se emendar.
Acabou por me oferecer uma garrafa de licor de maracujá do Ezequiel, de que ao
fim de tanto tempo ainda resta um pouco.
Remate
Ter tido
oportunidade de ser o comandante dos homens e do navio que protagonizaram o que
atrás fica narrado, é por si só razão que bonde para sentir que escolhi bem ser oficial deste ofício.
Mezena
Em 3 de
Novembro de 2012
[a] – É
minha intenção dar sequência neste blogue a ‘Livro de Ordens do Comandante’.