18.12.14

De camarão a licôr

Tal como na Metrópole, a Marinha estruturava-se nos territórios de além-mar em tôrno de dois núcleos complementares, um militar e outro civil.

Os capitães dos portos, sendo embora militares, integravam o ramo civil, eram a Autoridade Marítima nas áreas sob sua jurisdição; e para assuntos de natureza militar naval tinham um segundo chapéu: eram Comandantes de Defesa Marítima.

Enquanto que outros licenciamentos de pesca eram obtidos nas Capitanias e até nas Delegações Marítimas, os de camarão, eram concedidos no cimo da estrutura civil, a Direcção dos Serviços de Marinha em Lourenço Marques. Devia-se isto à necessidade de um contrôlo geral distante, face ao apetite pelo lucro que o negócio da pesca, congelação, embalagem e exportação de camarão estava provocando.

Quando cheguei a António Enes – Outubro de 1970 – havia já uns quantos barcos dedicados a esta rentável actividade. Uma meia-dúzia.

Com alguma contenção, foram sendo concedidas mais licenças, criaram-se empresas que compraram barcos cada vez mais bem equipados e em pouco tempo havia em Moçambique uma considerável frota dedicada à captura de camarão, quase toda ela sedeada ou estacionando em dois portos: António Enes e Quelimane.

Entende-se: a maioria dos rios de Moçambique desàgüa no centro do território; e são as suas águas que roçam os leitos e transportam à foz os nutrientes que enriquecem os comedoiros do Índico, fazendo da área um manancial de vida marinha.


As embarcações usavam quase sempre duas redes de arrasto pelo fundo, com pesadas portas que as mergulhavam e afastavam mantendo cada uma a seu bordo. 


Os sacos, quando içados ao fim de cada lanço carregavam grande quantidade de pescado.


A diferença de preço entre o camarão e o resto era tão grande que só aquele era aproveitado. Um dó. O excedente voltava ao mar sem vida. A um ou outro mestre de maior confiança cheguei a pedir que me salvasse uma mancheia de pequenas azevias. Fritinhas, deliciava-me com elas.

Talvez em 1971, uma empresa que obtivera licenças de pesca de camarão, elegeu Moma como ponto de apoio e construiu ali uma planta fabril desenhada para o efeito. Criada por quatro sócios, incluía um madeirense radicado na África do Sul, um ou dois donos de um afamado restaurante de Lourenço Marques e um algarvio, Simão Zorrinha, o único de que conservo o nome. Era o homem que se mexia no terreno e freqüentava o balcão da Capitania em cumprimento das burocracias.

Os resultados de pesca da companhia não terão sido diferentes dos das congéneres ou dos previstos aquando do investimento no negócio. Porém, razões outras, quiçá relacionadas com qüotas e divisão de lucros, provocaram em alguns meses, atritos grandes que apontavam o fim da sociedade.

Assisti na Capitania ao acendimento das divergências e custou-me vê-lo. Era questão que passava ao lado do Capitão do Porto, mas o homem que existia por detrás da função não resistiu e emitiu opinião sobre a fragilidade das razões invocadas para desfazer a empresa. Parece que as minhas palavras fizeram eco naqueles espíritos agastados e a decisão foi protelada.  

Foi essa decerto a razão do convite para mediar um entendimento entre as partes. Tarefa que extravazava as funções que exercia mas que me agradou. Vivia ao tempo em fase de muita auto-confiança e o desafio de carácter quase diplomático que se me punha foi inapelável. Aceitei.

Alguns dias depois, um pequeno avião veio buscar-me ao ‘soi-disant’ aeroporto de António Enes e levou-me a Moma, onde me esperavam os quatro sócios.  

Devo ter-me sentido vaidoso do poder algo salomónico de que me vi investido, mas acredito que o não tenha denunciado. A reünião foi amigável e os desavindos sócios predispuseram-se a um entendimento. Quero acreditar ter tido virtude nisso. Foi decidido manter a sociedade. Claro que como qualquer lusa comemoração – potenciada ainda pelos áfricos calores - tudo terminou em grande e bem regada comezáina.  

Todo contente lá voei de volta a penates.

Um dia, não muito tempo depois, a caminho do almoço, andados os poucos metros do gabinete até casa, fui surpreendido por um inesperado caixote de madeira, deixado por desconhecidos no chão da entrada. Sem ser enorme, não era pequeno. Curioso, munido de martelo de orelhas, despreguei a tampa, levantei-a e deparou-se-me um amontoado de camisas de palha vestindo inúmeras garrafas. Um cartão identificava o conteúdo como presente de agradecimento dos sócios agora avindos. As bebidas vinham do restaurante de Lourenço Marques e devo dizer que quem escolheu as garrafas percebia da poda. Mais tarde não faltou também como contra-pêso – belíssimo contra-pêso - um frasco de ‘Chanel nº 5’ para a senhora da casa.

Há não muito tempo, depois de mais de quarenta anos comigo, abri uma garrafa de ‘Grand Marnier’ recebida nesse caixote. O lacre e o rótulo já ratados não retiraram ao licôr um acendrado e delicioso sabôr.

- Á nossa!


José Guerreiro
13 de Agosto de 2014

  


26.8.14

Marinha de outrora



Teve mau começo.

Não se sabe onde, quando e de quem nasceu.

Entrou na Roda em Faro a 18 de Abril de 1829.




Nesse mesmo dia o baptizaram na Sé com o nome de Sebastião e foi dado a criar a Bernarda Maria, mulher de Manuel Guerreiro, um casal que vivia na Tôrre de Natal, lugar da freguesia da Conceição, a meio caminho entre Faro e Pechão.




Com os tutores aprendeu a tratar do pomar e comerciar fruta.

‘Na forma do Sagrado Concílio Tridentino e da Constitüição do Bispado de Faro’, usando Sebastião Guerreiro como nome, casou-se com Thereza de Jesuz, de Pechão, que lhe deu dois filhos.

Enviüvou passados seis anos. No registo de óbito os nomes aparecem modificados: ela como Thereza Rosa de Jesuz, ele como Sebastião de Souza.

Sob a mesma regra e sendo de novo Sebastião de Souza, voltou a casar-se. Com Maria Catharina, mais uma vez de Pechão. Tiveram sete filhos, sendo que no registo de baptismo de pelo menos os três primeiros, volta a aparecer como Sebastião Guerreiro.

Do nome com que morreu, Sebastião Guerreiro da Tôrre, - gravado no gavetão do Cemitério da Boa Esperança que lhe guarda a urna - parece evidente a razão dos apelidos: Guerreiro adoptado do tutor; e Tôrre, do lugar.

De onde viria então o Souza? Uma explicação é que tenha acabado por saber algo da sua ascendência. Bem possível.

De qualquer modo, foi conhecido pelos três nomes e respeitado sob todos eles.

Ainda na posse de um Tôrre, existe no centro de Faro uma casa que foi sua e onde viveu, com frente na Travessa do Pé da Cruz e traseira na Rua Nova.



Esta casa foi palco de um auto, hoje com o seu quê de burlesco, mas que no fim do século dezanove, além de dramático, numa cidade pequena onde todos se conheciam terá tido contôrno de escândalo.

Foi o caso de Sebastião se ter ausentado a passeio para Lisboa durante uma semana, sem dar cavaco a Maria Catharina, exercício de liberdade de que ela não gostou. Tomou as suas medidas e quando o marido voltou, uma parede dividia a habitação em duas: cedeu-lhe a metade da frente e ficou com o lado da Rua Nova. Assim foi até Sebastião morrer em 1904. Dizia-se dela que não mais lhe falou.

Tiradas nos Grandes Armazéns do Chiado em 1900, são dessa escapadela aziaga, as duas fotografias a seguir:



A ocupação que lhe é atribuída nos documentos consultados é a de arrendatário.

Terá arrendado outras propriedades, mas houve uma à volta da qual a família se foi fixando, a Horta do Ferragial, cujo arrendamento aliás, foi herdado e mantido pelo primogénito do segundo casamento, Francisco Guerreiro da Tôrre.


   1939, Faro, Francisco Guerreiro da Tôrre



Dos dois ramos da família que teve em Sebastião o criador, houve cinco descendentes que se fizeram oficiais da Armada: um Construtor Naval, três da classe de Marinha e um do Serviço Geral.

É deste – Júlio Guerreiro da Tôrre - que quero falar.

Oitavo e último filho de Francisco, foi em 20 de Julho de 1903 que nasceu na Rua do Ferragial – actual Rua da Polícia, no preciso local onde hoje, à esquina, se entra no Comando da Polícia de Segurança Pública. Esquina que aliás só existe desde a urbanização da horta, com a abertura da rua Dona Teresa Ramalho Ortigão.

Cresceu na imensa propriedade de onde lhes vinha sustento. Armava aos pássaros, subia aos ninhos, chapinhava no tanque grande onde as mulheres pagavam uns centavos para lavar a roupa que ensaboavam e batiam na pedra lavrada posta em cada posição do lavadouro.


Faro, 1914/15? Parece ter uns 11 ou 12 anos.


Feita a instrução primária eclodiu a Grande Guerra.

Portugal era ingovernável. Os Presidentes do Ministério duravam dias. A dívida pública herdada em 1910, as despesas com a guerra, a inflacção, a desvalorização da moeda, empobreciam as pessoas e o futuro amedrontava-as.  

Para um miúdo cuja escolaridade terminara, o horizonte ficava longe.


Faro, 1918? Talvez aqui tivesse uns 15 anos.


O pai quis que fosse aprender o ofício de sapateiro. Júlio queria mais e rebelou-se.

Foi à Escola de Alunos Marinheiros - instalada no secular edifício que fôra Paço Episcopal, no Largo da Sé – colheu informações e decidiu que faria vida na Marinha. 


Era menor e precisava de autorização paterna. Levou ao pai os papéis a assinar, com medo de ouvir um não. Mas convenceu Francisco, que não deixou de o ameaçar:

- Quando perceberes a asneira e voltares, não contes comigo.

Assentou praça na Escola de Alunos Marinheiros do Sul. Foi o número 3 de 1919. Tinha 16 anos.

Freqüentou a Escola de Artilharia Naval que desde 1865 funcionava na Fragata Dom Fernando II e Glória.

Foi promovido a primeiro-grumète no dia em que completou 17 anos.




Lisboa, 1921?


Deve ser desse tempo e da Fragata Dom Fernando, esta equipa de futebol, em que Júlio é o quinto a contar da esquerda no último plano.

Feito artilheiro,


Lisboa, 1921?

não tardou muito, seguiu para o Extremo-Oriente, onde tínhamos presença naval constante.

Foi em Julho de 1922 a bordo do Paquete ‘Tenente Roby’.

A Lusitânia comemorava ainda a travessia aérea do Atlântico Sul por Sacadura Cabral e Gago Coutinho que elevara de uns pontos o índice de vaidade que lhe andava bem por baixo. A portugalidade na Ásia não era menor e os chineses iam fazendo sedosos bordados alusivos ao sucesso - p’ra mais tarde recordar.


Ali esteve por cinco anos, tendo por isso tido ocasião de servir em algumas unidades.

Construída no Arsenal de Lisboa, com fundos de uma subscrição nacional, reacção popular contra a submissão ao ultimato britânico de 1890, 


a canhoneira ‘Pátria - ter pertencido à sua guarnição - parece ter sido marcante na formação do jovem marujo.


1923, Extremo-Oriente, NRP ‘Pátria’



1924, Macau, NRP ‘Pátria’



1924, Shangai, NRP ‘Pátria’



1924, Shangai, NRP ‘Pátria’


Na fotografia acima, Júlio Tôrre está sentado no pau-de-cumeeira do tôldo; e no primeiro plano do lado direito, o segundo oficial desse lado, por quem ele nutria especial admiração é o 1º tenente Joaquim Marques Esparteiro, distinto artilheiro, possivelmente o Imediato.

De licença em terra alinhava em rapaziadas, destrajes e convívios.


1923, Macau, com Salvador Silvestre



1923, Macau, com José Marquilha




1924, Macau, com Beles Fragata, Júlio Bento e António Carrôlo



1924, Macau



1924.10.05, Shangai



Antecipando-se à Associação de Amizade Portugal-Portugal criada nos anos oitenta por Mário Moniz Pereira, vêem-se no dia da Rèpública de 1924 duas bandeiras de Portugal congraçadas, uma maneira original de expressar o desejo de que o país se reconcilie consigo próprio. 
Estar em Shangai não foi impedimento.


1925.10.14, Macau. Na Gruta de Camões.



1926, Macau



1926, Macau



1926, Macau. Elas não matam mas moem.

Júlio viveu muito tempo em concubinato com uma rapariga chinesa que o serenou e lhe refreou os ímpetos. Abria-se num sorriso quando falava de Macau, em especial da vida comum com a pequena.


1926, Macau. Na Gruta de Camões.


No Oriente, os marujos faziam grande gala no trajar. Os uniformes dos macaístas eram mesmo feitos por medida nos alfaiates e tinham um corte especial.



1926, Macau. Tirou as cartas de condução que havia para tirar.


Para a Ilha do Faial,1926 foi um ano terrível. De Abril a Agosto ocorreu uma série de sismos que culminou no dia 31 com um terramoto de maior violência que provocou mortos, muitos feridos e destruiu grande número de construções em várias freguesias, designadamente na cidade da Horta.

Somos um povo compassivo.

O Núcleo Desportivo Pátria, integrando muita marujada que a lonjura não tornara menos atenta, levou à cena em Hong-Kong em Fevereiro de 1927, uma Récita em benefício dos sinistrados do Faial.

Além de ter cantado no Acto de Variedades, Júlio representou a Tia Censura na comédia em um acto ‘Um Julgamento’.



Em Outubro de 1927 embarca no Transporte NRP ‘Pêro de Alenquer’ e regressa à Metrópole.


1929. Com 26 anos é 2º Sargento.


1934? Lisboa, Restauradores.

Apanhado por um fotógrafo de rua, com ar do pai de família que se prepara para ser. 
Casou-se em Janeiro de 1935.


1938.04.09, à beira do Arade


Num passeio da canhoneira 'Limpôpo', de Portimão a Silves, pelo Rio Arade.


1941, no Pôrto. 1º Sargento

De 1946 a 1951 prestou serviço nos Serviços de Marinha de Angola.


1947.07.05, Moçâmedes, Escrivão da Capitania
Com os filhos.



1947, Baía dos Tigres

Foi Delegado Marítimo da Baía dos Tigres nos últimos quatro meses do ano, tempo suficiente para denunciar o mau desempenho do Chefe do Posto Administrativo por ter matado um nativo à chibatada.

A fotografia mostra o edifício da Delegação Marítima, ligada por uma passadeira de concreto à rua principal e única da povoação, também ela do mesmo material, que cumpria em simultâneo a função de pista para o pequeno avião Stinson que tornava o deserto transponível.


1949, Lobito. Com mulher, filha e a macaca 'Lobito'

Foi Escrivão da Capitania do Lobito durante pouco mais de três anos. Regressou a Lisboa em Abril de 1951 para se preparar para o Curso Geral de Sargentos.


1951, Lisboa

Fotografia para renovação do Bilhete de Identidade que substituiu dois anos depois, quando se tornou Oficial do Serviço Geral e obteve o galão de Subtenente.


1953, Lisboa


1954.10.17, Lisboa, S. Vicente de Fora

Garboso, na sua sobrecasaca, símbolo de um caminho bem caminhado, apadrinhando uma noiva, filha de casal amigo.

No mês seguinte regressou ao ponto de partida, Faro; e foi Escrivão da Capitania do Porto até Agosto de 1959. Interessante é que a Capitania estava sedeada no mesmo ex-Paço Episcopal em que assentara praça quarenta anos antes.

Enviüvou em 1958 e tornou a casar-se.

Foi padrasto de um enteado que encaminhou p’rá Armada. Mais uma vez e sempre um artilheiro naval.
Enteado que tendo desaparecido cêdo teve ainda tempo de usar estrêlas nos ombros.

Júlio Guerreiro da Tôrre morreu a 1 de Janeiro de 1977, em Lisboa, no Campo de Santa Clara, num espaço onde após dois séculos de dedicação à saúde da Marinha, não pode mais morrer-se.



Mezena
26 de Agosto de 2014



































12.3.14

Ordem   do   Jàgudí   Emboscado

   - com O contra-torpedeiro ‘VOuGA’ na Guiné em 1964 -


Advertência

A cinqüenta anos de distância, ler este escrito e olhar as imagens que ilustram o último terço da comissão, poderá conduzir a um juízo apressado em desfavor do punhado de militares que o povoam, em tudo semelhantes aos que enchiam os três palcos de representação de guerra no além-mar. 

Trata-se de uma geração jurada para sacrificar a vida ao Império, sob uma direcção política que fazia dessa jura o alfa e o ómega da sua estratégia guerreira.

Os excessos com que alguns enchiam o tempo de ócio era nada mais que a humana reacção aos medos, à lonjura e à incerteza do porvir. Fala-se aqui de gente que não deu as costas e com maior ou menor querer desempenhou a contento o papel que lhe coube. Assim exposta, humaniza-se.

Se a senhora da gadanha os encontrasse, teriam vivido vida bastante para saber encará-la e conseguir pelo menos ‘sorrir-lhe com meia-cara’.

Em vez da pressa de um julgamento, usai de contenção. No mínimo… hesitai.

Sêde benevolentes.

À guisa de prefácio

Os rios têm sido muito usados para apadrinhar embarcações. Entende-se a escolha, ao pensar em quantos embarcadiços é nos seus leitos que ganham sustento e para quantos outros o regresso do mar só começa na verdade depois de lhes cruzar a foz. É a visão familiar das margens que lhes amacia o espírito e dêsse percurso fluvial de aproximação a casa lhes virá coragem para sair de novo.

Menos bem se percebe a eleição dos mesmos rios para chamamento de cães, uso muito em moda há anos atrás.

- Tejo! Vem ao dono – ouvia-se.

Grande número de navios da Armada tem tido nomes de rios. É o caso dos contra-torpedeiros, que não conheceram outros.

Contra-torpedeiros

“Tejo”

O reequipamento da Marinha Portuguesa no reinado de D. Carlos, incluiu a construção, começada em 1901 no Arsenal de Marinha, de um contra-torpedeiro, o ‘Tejo’, de letra de amura ‘T’. Entrou ao serviço em 1904. Inicialmente previsto como ‘canhoneira-torpedeira’, a experiência aconselhou a sua total conversão em contra-torpedeiro, o que se fez entre 1915 e 1917. Foi abatido em 1927.

“Liz”

Construído em 1914 em Génova por uma Itália neutral e destinado à Grã-Bretanha, envolvida na 1ª Grande Guerra, pertenceu durante cinco meses à Armada de Portugal, que ainda neutro no conflito mas aliado militar do Reino Unido, serviu de intermediário e o entregou em Sesimbra a 31 de Maio de 1915. Não tendo sido apropositadamente nosso, foi o primeiro navio a nafta que tivemos.  

Classe “Douro”

Identificados mais uma vez por letras de amura, foram quatro os contra-torpedeiros desta classe, construídos no Arsenal de Marinha em Lisboa, tal como fôra o ‘Tejo’:

‘Douro’, ‘D’ em 1913

‘Guadiana’, ‘G’ em 1915

‘Vouga’, ‘V’ em 1920

‘Tâmega’, ‘TA’ em 1924

Navios de 73 metros e 670 toneladas, com três turbinas a vapor e três veios, conseguiam, calcule-se, 27 nós. Tinham uma peça de 100, duas de 76 e dois tubos lança-torpedos de 450 mm.

                                       Fotografia do lançamento à água do’ Vouga’ em 3 de Maio de 1920

O aspecto geral final dos navios da classe ‘Douro’ era assim:

                               Silhueta do ‘Tâmega’, a mesma de todos os contra-torpedeiros da classe Douro


O ‘Vouga’ na Revolta da Madeira

Entre algumas medidas tomadas para combater os efeitos da Depressão de 1929, o Governo de Salazar, que acumulava a pasta das Finanças, assumiu no início de 1931 o contrôlo da importação de cereais. Comprando-se menos farinha aumentou o preço do pão, o que na Madeira, onde se tinham agudizado crise económica e desemprêgo, foi a gôta que levou o povo a assaltar moagens, a tumultos e a greves. O descontentamento assim nascido foi aproveitado por parte de alguns dos militares recém-chegados do Continente para conterem os desmandos e que ao invés intentaram um levantamento contra o regime, a Revolta da Madeira, que pretendiam alastrasse a toda a Macaronésia Lusa. Chegou de facto a algumas ilhas dos Açores e à Guiné. Cabo Verde não aderiu e não teve expressão em S. Tomé. No Continente nem sequer eclodiu.

Com a Armada reduzida a quase nada deixada pela 1ª Rèpública, Lisboa estava em dificuldade para contrariar a revolta. É então que vem ao de cima a nossa tão apregoada eficiência no desenrascar. Em cêrca de duas semanas, o Comandante Magalhães Corrêa, Ministro da Marinha, requisita navios mercantes, alguns de pesca, que junta a uns quantos navios de guerra mais capazes, organiza uma força – alcunhada satìricamente de ‘Esquadra do Bacalhau’ por integrar embarcações de protecção à frota bacalhoeira – força que ele próprio comanda; e a 24 de Abril de 1931 larga de Lisboa rumo à Madeira. Após alguns bombardeamentos e o desembarque de soldados em Machico, a 2 de Maio os revoltosos desistem.

Da força vencedora fazia parte o contra-torpedeiro ‘Vouga’. E na sua guarnição figurava um jovem 2º sargento artilheiro que anos mais tarde viria a ser meu pai, de cuja Folha de Assentamentos tirei a imagem abaixo:


Pode ver-se que no dia 6 de Maio de 1931 deixou o ‘Vouga’ para o paquete ‘Pedro Gomes’ - um destacamento curioso.

Navio de construção holandesa de 1899, comprado em 1922 pela Empresa Nacional de Navegação, percursora da conhecida companhia que viria a ter o mesmo nome, o ‘Pedro Gomes’, ex-‘Sindoro’, fôra requisitado como transporte de tropas. Na madrugada de 30 de Abril no decurso de uma manobra, ao largo da Calheta, ‘Pedro Gomes’ e ‘Vouga’ colidiram. Do abalroamento resultou ter o ‘Vouga’ ficado à deriva, com água aberta. Não obstante a tentativa de reboque feita pelo mercante, o contra-torpedeiro afundou-se, não sem que antes a guarnição tenha sido salva. Segundo Rui Carita, da Universidade da Madeira, o navio jaz a 300 metros de profundidade no Mar da Travessa – perto da Ponta de São Lourenço. Interessante é saber que a Madeira reïnvindica a propriedade dos restos afundados do ‘Vouga’, porque Lisboa lhe cobrou durante anos os custos quer da expedição quer da perda do navio.

                                                                                   Imagem do ‘Pedro Gomes’


Classe ‘Vouga’

Fazia parte do Plano Naval de 1930, para contrariar o ‘zero naval’ que quase chegou a ser o panorama da Armada Portuguesa, a construção de contra-torpedeiros. Construíram-se sete.

Adaptados à nossa circunstância, estes navios foram concebidos sobre um projecto dos Estaleiros Yarrow que construíram dois deles, o ‘Vouga’ e o ‘Lima’. Os restantes cinco, entre construção e montagem, foram feitos em Lisboa, nos estaleiros da Administração Geral do Porto de Lisboa então concedidos à Sociedade de Construções e Reparações Navais (SCNL).

Foi como segue, o calendário de construção dos contra-torpedeiros da classe ‘Vouga’, inicialmente identificados por letras como era uso:

1931…….1933       ‘Vouga’            Yarrow. Escócia      
1931…….1933       ‘Lima’               Yarrow. Escócia      
1932…….1933       ‘Tejo’ I              SCNL - 1934, vendido à Colômbia (‘Caldas’)
1932…….1933       ‘Douro’ I           SCNL - 1934, vendido à Colômbia (‘Antioquia’)      
1934…….1936       ‘Dão’                 SCNL      
1935…….1937       ‘Tejo’ II             SCNL      
1935…….1937       ‘Douro’ II          SCNL


Recém-promovido a capitão-de-mar-e-guerra – Julho de 1931 – Pereira da Silva foi nomeado para chefiar a missão naval de fiscalização dos navios em construção. Com outros oficiais e gente do estaleiro, vemo-lo na fotografia acima, já sobre um dos convèses do ‘Vouga’, de que o assentamento da quilha se verificara em 16 de Outubro de 1931.




Com um deslocamento máximo de 1563 toneladas, 98.15 metros de comprimento, 9.5 de bôca e 5.7 de calado, turbinas a vapor e dois hélices, obtinham uma velocidade máxima de 36 nós. Foram até hoje os mais velozes navios que tivemos.

A bordo do ‘Tejo’, no meu exame para segundo-tenente, em Janeiro de 1960, navegámos muito perto desse andamento. Gostei.

Os cinco navios portugueses da classe sofreram duas modernizações, datadas de 1946 e 1957, no propósito de lhes dar maiores capacidades anti-submarina e anti-aérea. Na configuração inicial dispunham de 4 peças de 120 milímetros com canos de 40 calibres, 3 peças anti-aéreas de 40 milímetros (pom-pom), 2 tubos quádruplos de lança-torpedos de 520 milímetros e 2 lançadores de cargas de profundidade.

Colômbia e Perú, por via de uma disputa fronteiriça, envolveram-se num conflito armado. Tornou-se urgente para os colombianos aumentar o poder naval, pelo que recorreram aos Estaleiros Yarrow, entretanto comprometidos com Portugal, que lhes sugeriram a negociação connosco dos dois navios já em construção em Lisboa. Foi então, decerto por ajuste entre as três partes que os ‘Tejo’ I e ‘Douro’ I foram vendidos à Colômbia.

Quando há pouco escrevi no calendário os nomes dos navios, não pude deixar de recordar o distinto camarada Valente de Araújo - ‘Chitas’ entre nós - que quando as lições na Escola Naval chegavam a esta parte da matéria, era certo e sabido falar no contra-torpedão ‘Deiro’, incidente devidamente antecipado – agora ele vai dizer isto - em desalinhada caligrafia na minha sebenta, herdada (comprada) do Germano e que provocava uma mal disfarçada galhofa que se prolongava, contagiada pelo riso casquinado e mal contido do Rebêlo da Silva.


NRP ‘VOUGA’   
D 334

Primeira separação

Onze de Janeiro de dois mil e catorze. Faz cinqüenta anos que partimos.

Os olhos, na vedeta que rumava à Doca da Marinha. Para trás ficava a mulher, a um mês de fazer nascer o nosso primeiro filho. Despedida difícil. Ali mesmo, a bòrdo, ficou decidido que separações futuras teriam os adeuses portas adentro, em nossa casa. Embora sentisse algum pesar ao ver outros dando abraços que - já ou ainda - não podia dar, desencontros e reencontros não mais tiveram expressão fora da intimidade.

No ‘Vouga’, frente à baixa lisboeta, a meio do Tejo amarrado a uma bóia do Quadro dos Navios de Guerra - anos e anos uma espécie de couto privado dos contra-torpedeiros e poucos mais - apitou finalmente à fàina. Manobra por vezes complicada, desta vez o rio estava manso, o pessoal do escalér teve bom desempenho e não foi difícil desamarrar. Depois, até às quatro da tarde, andámos às voltas no Mar da Palha para compensação e regulação das agulhas magnéticas.

Companheiros de camarote

Afora os chefes de serviço que por terem funções muito diferenciadas têm alojamento específico, os outros escolherão os camarotes e os beliches por ordem de antigüidade. Deve ter sido assim connosco mas não me lembro. Sei que dividi o camarote mais a ré, a bombordo, com o Oliveira Bento – o Bento Charanga, do ‘LA’. Ainda que a charanguia também dê estatuto, é bom dizer que entrou na Escola Naval como charanga mas acabou o curso em sota-penico. Escolhi o beliche de cima por ter acesso a uma vigia.


Os beliches de desenho muito antigo, eram em boa madeira polida e latão; e tinham uma guarda rebatível de protecção contra o balanço. A fotografia mostra uma que foi mesmo pertença do Vouga e me foi oferecida pelo Bandeira. Tenho-a fixada numa parede soi-disant naval. A pequeníssima mesinha articulada, embebida na guarda - que cheguei a utilizar – tinha serventia se alguma maleita recomendasse cama.

As amizades cimentadas ao longo dos nove meses da comissão vingaram. Tendo-nos mutüamente aturado esse tempo no mesmo camarote a aproximação ao Bento, que vi entrar na EN em Dezembro de 1958, foi fácil. Algumas afinidades particulares encontradas depois tornaram-nos mais chegados.

Já muito preso ao meu espaço familiar de confôrto e ele sempre andarilho, visita-me amiúde e nunca nos falta assunto. Quando me decidi por escrever isto, pedi-lhe os diapositivos que fizera na Guiné. Deixou-me a braços com a digitalização de 464 quadradinhos que somados ao meu próprio acêrvo, tornam difícil ter de escolher. Vejo-me grego – nuns casos porque são testemunhos importantes vindos quase do além, noutros pelo apêlo estético que me sensibiliza - entre a tentação e a recusa de utilizar tudo na ilustração do texto.

De viagem

Mar agitado até Cabo Verde. No Mindêlo tinha uma missão. Comprar uma máquina fotográfica moderna que substituísse o velho caixote Zeiss Ikon já com quinze anos de bons serviços. 


Pedi um empréstimo à Cantina e por rumos dantes muito usados fui dar à Casa do Leão. Comprei a minha primeira câmara de 35 mm, uma Voigtländer Vitomatic IIa. Destinava-se ao registo de imagens do filho quase a chegar, pelo que mal tive tempo de a estrear com meia dúzia de diapositivos, foi para Lisboa na primeira oportunidade com mais uns quantos produtos Johnson para bébé.

Chegámos a Bissau a 18 de Janeiro por volta das dez da manhã.

A ordenança veio de terra com uma novidade: fôra-nos atribuído um código para usar o Serviço Postal Militar: SPM 0148.






Guerra da Amura

Domingo, 19 de Janeiro. Quatro dias antes começara no Sueste do território a Operação Tridente com muita gente de Marinha envolvida, como quase sempre na Guiné, toda ela água. Em Bissau tudo parecia calmo e só o elevado número de uniformes militares prenunciava o conflito armado. Entretanto o conhecimento de uma operação militar de vulto a decorrer, pusera alguma tensão no ar. Com o navio fundeado no Geba, pouquíssima gente da guarnição pisara terra. Para fugir ao calor que a despeito das ventoïnhas aquecia a Câmara de Oficiais, assim que acabou o jantar subimos à tolda onde o Comandante se nos juntou e o Formiga serviu o café. Recuperámos alguma da frescura que o banho vespertino dera e chalaceando e beberricando, sentíamo-nos ali bem.

A perturbar o silêncio envolvente, de súbito, o estralejar dos tiros de uma arma ligeira. E logo a seguir, agitando o ar com violência o som mais cavo e pesadão de armamento grôsso, fazendo sibilar projécteis sôbre nós.

Para ser fiel a mim próprio, para pôr em palavras o que vi, fiz, registei e arquivei, tenho de recorrer aos bonecos animados da minha juventude, bem desenhados, nada agressivos, sem bicos nem arestas; e cuja acção fazia soltar gargalhadas a cada peripécia. Neles acontecia com freqüência ter alguém de esgueirar-se sorrateiro, em bicos de pés, qual bailarina em pontas, de asas encolhidas, por detrás de um perseguidor atarantado que só tarde via o fugido.

Foi a figura que fizemos ao perceber a trajectória dos tiros. De ponto em branco - calça e camisa do uniforme - pé ante pé, pisando leve não fosse o vizinho de baixo acordar, pires e chávena nas mãos, tão devagar quanto a ‘valentia’ deixava, com um olho em terra e outro nas costas (no escudo da peça de 120 de ré) lá fomos rodeando o reparo e reencontrámo-nos a estibordo, a sota-tiros, olhando agora o Ilhéu dos Pássaros que não mais voltou a dar-nos tão idílica visão.

Que acontecera?

Domingo, movimento quase nulo na ponte-cais, um fuzileiro da companhia número dois estacionada em Bissau fazendo guarda, G3 pendurada num ombro, transceptor no outro. Na esgalha, um jipe do Exército entra na ponte e o condutor faz dela a sua sonhada pista de corrida e gasta-a toda. Não trava, não abranda e espeta-se no Geba. O fuzileiro quer avisar a Companhia, mas ou o equipamento falha ou ninguém o atende. Plano B: uns tiros para o ar com a G3 serão decerto ouvidos. Só que o foram igualmente na Fortaleza de São José da Amura, 


que no acto começou a despejar metralha na direcção do som que ouvira. Por um bom par de minutos.


Comentário recente de Encarnação Gomes – ciência colhida muito depois em conversa com o Comandante Vasco Rodrigues – deu-me a conhecer que ao saber da agitação que ia por Bissau, o então Governador fez sair a Banda do Exército para dar um ar festivo às ruas e reduzir o ímpeto guerreiro da turba que terminado o tiroteio clamava por acção.

  Julgo que não foram encontrados nem militar nem jipe. Álcool, acidente, süicídio? Desconheço o que se tenha apurado.

Demorou algum tempo até que regressassem a bòrdo os dois elementos que tinham saído: o médico e o Sargento Sinaleiro Silva. Contaram-nos do pandemónio que foi por Bissau. Quem tinha arma tratava de exibi-la. Houve muito quem dèsse tiros sem saber para onde. Nos cafés, os clientes entricheiraram-se debaixo das mesas, partiram móveis e fizeram disparos.

Com estranheza e por grande bambúrrio, o saldo desta Guerra da Amura, apresentou apenas uma vítima: o corredor de jipes.

Devemos todos ter pensado:

- Onde raio me vim meter?

Eu pensei. Mas só seis meses mais tarde vim a perceber.

Navio Hidrográfico ‘Pedro Nunes’

Na quarta-feira, 22, a convite de Busttorff Guerra que tinha sido meu imediato na ‘Diogo Gomes’, almocei no ‘Pedro Nunes’, 


onde os convidados continuavam a ser recebidos como princípes. Claro que acompanhei o agora Comandante e rematei o lauto banquete com a costumeira, indispensável e fresquíssima aguardente de pêra.

O ´Balocas’

Eduardo Pité, meu amigo e condiscípulo na escola primária do Bom João, tinha um irmão mais novo. Os três anos que nos separavam dele bastavam para que nos sentíssemos autorizados a falar-lhe por cima da burra e fazer dele gato-sapato. Mesmo assim alinhava muito bem connosco. Era o João Manuel, tratado em casa e num pequeno círculo de miúdos em volta, por ‘Balocas’.
Pois no dia 23, o ‘Balocas’, alferes piloto aviador Santos Pité foi abatido na Ilha do Como quando ajudava uns quantos cá em baixo, na bolanha do Brandão. Disse-se ter sido atingido mortalmente em vôo.

Bandim, Cais da Sacor

25 de Janeiro. Fomos reabastecer.



O Vouga na Operação Tridente


Nove dias depois de ter chegado à Guiné, já o Vouga fundeava nos Baixos do Tombali, pagando tributo à operação com uma agüada de dois litros por homem por dia , às ordens do Comandante-Chefe, Brigadeiro Louro de Sousa. Este, embarcado na Nuno Tristão, fundeada perto de nós,


tinha à disposição um helicóptero pousado numa plataforma de madeira, montada na pôpa da fragata.

Helicóptero que numa noite ociosa, o brigadeiro disponibilizou para me levar à mesa de bridge onde faltava um parceiro. Sem processo para ser içado do Vouga, usei o escalèr a motor. Não devo ter sido grande aquisição p’rá mesa - andava ainda na infância da arte.

Conhecia de longe Comandante e Imediato; e fui encontrar caras familiares como o Costa Correia, o Martins Guerreiro e o Aires Domingues.

Foi nesta nossa primeira entrada, numa Operação Tridente com duas semanas de acção intensa que no dia 30 de Janeiro, foi ordenado a um destacamento de fuzileiros especiais, o DFE8, uma incursão profunda na mata densa da Ilha do Como. 

Não se limitava ao combate a actividade dos fuzileiros no terreno. Exerciam também acção psicológica, na tentativa de aliciar as populações para o nosso lado. Exemplo disso são os prospectos em crioulo e em português das imagens abaixo:




Ou estoutros que ao tempo foram copiados com a fidelidade possível, no que toca à ortografia como à disposição gráfica:




No sentido de diminuir o moral do inimigo e amedrontá-lo antes do desembarque do DFE8, foi-nos cometida a tarefa de flagelar a área escolhida para acção do destacamento, no propósito de facilitá-la.

Pouco depois de acabado o ano de Aperfeiçoamento em Artilharia Naval fui movimentado para o ‘Vouga’, já ‘consignado’ à Guiné. Deparava-se-me agora ocasião para pôr em prática os guerreiros saberes adquiridos.

Sendo relativamente grande a área a flagelar e por isso dispensável a aleatoriedade do fôgo, desenhei na carta um polígono, intersecção de uma coroa e de um sector circulares do mesmo círculo, a uma distância média de dezòito quilómetros e meio da nossa posição, sobre o qual, em pontos pré-determinados faria cair, um a um, trezentos projécteis de Alto Explosivo. Assim foi. A ritmo propositadamente lento. Nos trinta e um anos que o navio levava de vida, não teria chegado ainda a tal número de tiros. Em verdade, cada munição custava 36 contos de réis. Dez dos meus salários mensais de segundo-tenente.

Para além das lâmpadas não retiradas, desfeitas em cacos por se terem escondido a uma prévia vistoria; e da constatação de que o todo metálico do navio era uma mola muito flexível que reagia prontamente ao estímulo de cada explosão; para além disso, não cheguei a saber o resultado prático do fôgo, pois quando falei com o Calvão, disse-me não ter visto ninguém nem tirado conclusões. Não é que ele seja de natureza loqüaz, mas pareceu-me ter fugido a falar.

De qualquer modo, o sucesso levou-me aos media: fui  notícia na Rádio Moscovo.

Óleo de linhaça?

Fomos para Caió no dia 7.

                                                                           A caminho do Rádio-farol de Caió

O radiofarol deixara de emitir. O motor-gèrador que o alimentava tinha parado. Ao Serviço de Máquinas do Vouga foi dado repôr as coisas no são. Em vez de óleo de lubrificação foi encontrada uma mistura parecida com óleo de linhaça, que - do mal o menos - não gripou, bloqueou apenas o motor. Houve que desmontar todo o equipamento. Não chegou a apurar-se a verdade da misteriosa ocorrência. Ficou a pairar a pergunta: asneira ou sabotagem? 

                                                                       O ‘Vouga’ visto do cimo do farol de Caió

 FEV1964, Oliveira Bento e Ramos Bandeira à entrada do estuário do Geba, no Ilhéu de Pumoune, a SW da Ilha de Jeta

No Domingo Gordo aproveitava ser dia de folga para dar vez à preguiça.

Eram oito da manhã. Acordei atarantado, rodeado por uma turba empoleirada sobre o beliche do Bento que me batia e gritava:

- Nasceu o Pedro! Nasceu o Pedro!

Passou a figurar entre as recordações boas que tenho colectado da vida.

Com as poucas facilidades pasteleiras da cozinha, o pessoal presenteou-me mesmo assim com um bôlo que de brinde em brinde, de cálice em cálice, foi vàriamente saboreado:


De volta a Bissau quis falar p’ra casa. Havia que marcar vez de véspera, tão longa era a bicha para telefonemas com a Metrópole. Tive sorte e consegui falar logo que chegámos. Tinha o miúdo três dias, era tal a vontade de confirmar que existia que pedi à mãe que o beliscasse. Fiquei deslaïado ao ouvir-lhe a chorada queixa.

Ah! Guiné! Guiné!

De novo em apoio da Operação Tridente

Voltámos ao Tombali entre 14 e 17 de Fevereiro.

O nosso papel tem sido de apoio logístico: fornecimento de alimentação, armamento e munições. Das cêrca de vinte pequenas embarcações à volta das ilhas, demos pessoal para guarnecer algumas, tendo chegado a estar em simultâneo, três oficiais fora do navio.

Voltámos uma terceira vez ao Tombali antes de termos rendido a Nuno Tristão. Sem saber quando chegámos, sei que suspendemos e largámos para Bissau no dia 26.

Rendez-vous com o S. Gabriel

Depois de Bissau descemos o Geba, cruzámos a barra e já em mar aberto encontrámo-nos com o S. Gabriel a umas cinqüenta milhas a Oeste de Caió. 


Trazia o Destacamento Nº 9 de Fuzileiros Especiais comandado pelo Metello de Nápoles para render o DFE2 do comando do Faria de Carvalho, que antes fôra do Caeiro. Trazia além disso muito e variado material, com destaque para as munições de 120 que vinham refazer o nível dos paióis, muito baixo depois dos tiros para o Como. As LDM’s 202 e 303, idas connosco, mais três escalères arriados do navio-tanque, fizeram o transbôrdo para o Vouga. O S. Gabriel parecia um poço sem fundo.

                                                                                            Faina de munições






                                                Do Diário Náutico do Vouga em 28 de Fevereiro de 1964

Depois de vinte e uma horas pairando no Atlântico, ajustando rumos e velocidades para manter uma posição favorável à manobra das embarcações de vai-vém, tínhamos tudo a bordo.

Passámos reboque às LDM’s 

                                                                                               O Senhor Mestre

 O Roque sem a amiga

e regressámos a Bissau,


onde chegámos mal iniciada a madrugada de 29. A seguir à alvorada recomeçou a fàina,



enquanto a banda do DFE9 assinalava o momento de chegada à guerra.




De volta à Operação Tridente

Agora para render a Nuno Tristão que está de regresso a Lisboa.



                                                    Tombali, 1 de Março de 1964. Largada da Nuno Tristão


Pesca nos Baixos do Tombali

Integrado o Vouga havia um par de dias nos efectivos da Operação Tridente, estávamos fundeados nos Baixos do Tombali, não muito longe de bancos de pesca, à vista, em águas menos profundas. Arejar a ementa com peixe fresco foi uma tentação. De manhã, meti-me num bote de borracha com quatro praças, muni-me de seis granadas ofensivas e ala. Sem guarda-rios no horizonte iniciei a caça. Fiquei surpreendido com a quantidade de pescado recolhido à primeira explosão, o que invariàvelmente se repetiu. Sem gastar todas as granadas, regressámos a bordo uns cem quilos mais pesados.

Uma semana depois quis repetir a façanha, com nova equipa. Mais ambicioso, fui procurar peixe grôsso. Bastante mais longe do navio, a 11 milhas, em águas límpidas e ainda menos profundas encontrei o que procurava. Caça mais difícil, havia que perseguir o peixe em fuga veloz, lançar a granada no momento propício e guinar o bote com rapidez para fugir à explosão. Combinados com o pessoal, a manobra pretendida, os sinais p’ró leme e as vozes, ficámos prontos p’rá perseguição. Mão esquerda enrolada e firme no cabo de cabeça fixado ao bico de proa, corpo retesado para trás a manter o equilíbrio, braço direito erguido e mão apertando a granada descavilhada, assim se fizeram duas corridas com sucesso.

Correndo já uma terceira vez, sobre o maior dos peixes encontrados, deu-se o inesperado: uma praça, um grumete sentado atrás de mim, levantou-se aos berros, invocando mãe, invocando Jesus e não sei que mais e com as duas mãos apertou-me o pulso e agarrou-me a mão da granada. Em pânico absoluto gritava que não queria morrer. Consegui chegar-lhe um cotovêlo à cara e não sei mais onde, dei-lhe uns safanões, atirei-o aos paneiros e desenvencilhei-me do rapaz mantendo a mão fechada. Atirei a granada para longe e não houve mais pesca.

Oito horas longe do Vouga e só trouxemos vinte quilos de peixe.

Nos minutos da viagem de regresso teve tempo para se recompôr e na fotografia que nos tiraram à chegada está tão sorridente como quando quis fazer parte da expedição.

                                                                        Baixos do Tombali, 11 de Março de 1964


Assustei-me. E se com a força do mêdo, o moço tivesse conseguido abrir-me a mão?

Havia outras formas de pescar. Em Bissau – não só em Bissau - era fácil comprar grandes sacas de ostras por baixo preço. Não raras vezes o despenseiro nos servia esse mimo. Numa atitude assaz individualista, gostava mais de sair de bote de borracha, armado de martelo e escôpro, procurar um pedaço de rocha onde as houvesse, destapá-las com a ferramenta, arrancá-las a dente e comê-las. Sempre me pareceu que cozidas, cruas ou assadas, sabem ao mesmo: bem.

Um processo mais sociável de comer marisco era ir ao Vara Longa, onde havia de tudo e cerveja fresca. Grandes lanches!


A cena do tubarão

Fundeado nos Baixos do Tombali, a umas dez milhas da foz de uns quantos rios que ali faziam convergir as correntes, o navio mantinha uma proa quase fixa, ligeiramente ondulante. Quando a cozinha despejava os restos na dala, acorria ao fartote um sem número de tubarões que se mantinha por perto.

Senti-me tentado a pescar um, coisa que nunca fizera. Falei com gente que julguei percebesse do assunto e comecei a colectar equipamento. Creio que do paiol do mestre veio a peça fundamental – pensava eu – um anzol que media um palmo; depois, cabo de aço, passado pelo olho do anzol, dobrado e serrado. Preso e pendente de uma pequena tábua a meio de uma bóia redonda, o anzol iscado com um pedação de carne, sêbo e gordura e aumentado o comprimento do conjunto por uma retenida, estava terminada a armadilha. Baixei-a à água com cuidado para manter a bóia em posição. Arrastada pela corrente, num instante esticou a retenida.

De imediato, acorreram tubarões aos tropêços. Imaginei que não tardaria a pescar um. Engano. Os bichos eram mais espertos do que os julgava ou tinham mais curiosidade que apetite. Passavam pela carne, o que se adivinhava pelo movimento da barbatana e com uma delicadeza inesperada roçavam os dentes pela bóia, afastavam-se e quase em bicha voltavam para repetir a experiência. Cansei-me de os olhar e recolhi à Câmara onde o almoço estava quase a sair.
- Sô tenente, sô tenente! Está lá um tubarão! 
Foi assim que uma praça me fez levantar da mesa e correr p’rá tolda. Estava lá de facto um tubarão a debater-se. Parecia dos maiores que por ali nadavam. Com ajuda puxei a retenida e trouxe o infeliz ao painel da pôpa. Nada tinha na boca. Não fôra preciso o anzol. Tantas voltas e torções terá dado a cheirar e apalpar a bóia que se prendeu pela cauda ao cabo de aço. Era visível a fragilidade do apêrto. Mandei vir uma Mauser e dei-lhe três tiros em zona que imaginei vital. Morto, ficou a sangrar, tendo depois sido rebocado para a zona da cegonha onde foi içado.


A fotografia acima foi-me emprestada pelo Tóine Fermine, ao tempo marinheiro Radarista, conhecido no Vouga por Baleizão, da terra onda nasceu. Carreira terminada em sub-chefe da Polícia Marítima, encontramo-nos nos verões da Fuzeta.

Depôsto no convés, o tubarão foi medido – três metros e meio – esventrado e mesmo depois de retiradas as vísceras, o cheiro era de tal modo nauseabundo que arrancados alguns dentes e cortada a barbatana grande, voltou ao mar sem demora. Com alguma crueldade, devo dizer. Uma retenida presa à pôpa a enlaçar-lhe a cabeça, a corrente enfunava-lhe o corpo vazio, mantendo-o a flutuar. Os familiares não estiveram com meias medidas; foram-se a ele como gato a bofe e a cada estremeção de boca fechada deixavam nas badanas um perfeito círculo vazio. Espectáculo deprimente. Soltei a retenida.

Conservo a dentição do bicho. Morto havia anos, conseguiu filar-me. Contava a um amigo como o tubarão caçado alimentara os outros e para mostrar o afiado dos dentes passei a serrilha de um deles por uma unha. Com tanto azar que resvalou para a cabeça do dedo e cortou-lhe a pôlpa. Foi demonstração única.


A barbatana, posta a secar pendurada num vergueiro, desapareceu ao fim de alguns dias. Quem terá comido a sôpa?


Lanchas de desembarque

As lanchas de desembarque eram indispensáveis num teatro de operações como o da Guiné. Sem elas não havia como acudir às tropas com água, comida e munições; e dar-lhes mobilidade. Com guarnições mínimas e muita dedicação, tiveram importantíssimo papel na operacionalidade. Sendo os patrões das lanchas Cabos de Manobra e transportando oficiais comandantes de unidades, havia muitas vezes que embarcar um interlocutor naval que ostentasse galões, mandatado para chefiar as embarcações. No início de Março havia três oficiais do Vouga embarcados em LDM’s. Não me tinha ainda chegado vez, mas não tardaria.


Base Logística

As ilhas de Caiar, Como e Catunco, são de facto três ilhas mas só no terreno e com a maré cheia isso é evidente. Para o vulgo, por facilidade, reduzem-se a uma apenas: a Ilha do Como. A Base Logística principal, montada num areal da Ilha de Caiar no início da Operação Tridente, foi no Como, que em termos coloquiais sempre esteve.     

                                                    Base Logística, 24 de Março de 1964

À volta daquela e de outras praias da zona o fundo é quase sempre um imenso lodaçal sobre que as embarcações têm que navegar um pouco às cegas, para atingir as ilhas ou afastar-se delas.

Com alturas de água a variarem entre máximos de 5.5 metros no preia-mar e 1.2 metros na maré baixa, é só com água escorrida que esteiros e riachos que se contorcem em curvas e contra-curvas mostram o traçado, variável com rapidez pela sujeição a correntes fortes.

Perante isto e sem pontos de referência, navegar na área com segurança é difícil, razão determinante do apôdo algo cruel ganho por um camarada que orientava a navegação na primeira fase da Tridente: ‘almirante do encalhe’.

Para a evacuação da Base Logística foi-me dada a responsabilidade de acabar com os encalhes. Ali estive durante os últimos quatro dias da operação.

Deu tempo para voar num Dornier da Força Aérea, pilotado pelo irmão do Pombo, ao encontro de um frango assado. 

                                                        Base Logística, 24MAR1964

Reduzindo a quase nada o risco de a pista utilizada na Base Logistíca ser de areia sôlta e ter a pequena inclinação comum às praias, só falta dizer que o galináceo nos aguardava em Càbedú, na unidade militar estacionada junto à celebrada Mata do Cantanhez, que sendo uma farpa de soberania portuguesa na zona pretensamente libertada, era com freqüência saüdada com fogo inimigo. Càbedú era como que uma ilha arredondada e oblonga delimitada a arame farpado, onde a nossa gente sobrevivia a poder de vontade.

Mas o petisco estava bom.

O piso da pista de Càbedú não era melhor, com a vantagem de ser plano. Mas o Dornier era pau p’ra toda a colhèr e pousámos de volta com a suavidade de um passarinho.

Na Base Logística os oficiais comiam a uma mesa tão improvisada quanto tudo ali era. Espêssas tábuas espetadas na areia suportavam outras, sobre elas pregadas, que faziam de tampo. O mesmo sistema era usado na feitura de compridíssimos bancos corridos de cada um dos lados da mesa.

No último almoço ali servido, a única camisa branca com galão de còcha (óculo) seria a minha. Sentei-me ao lado de um camarada do exército que freqüentara comigo a Amadora e quase em frente de Fernando Cavaleiro, o comandante da operação.

Com o material todo ou quase todo embalado para a retirada, já sem máquinas de frio a trabalhar, não estranhei que o vinho tinto dos jarros metálicos estivesse à temperatura ambiente. Mas não vi com bons olhos que o tenente-coronel Cavaleiro estivesse a beber cerveja fresca e interroguei com um olhar o amigo do lado que me respondeu espetando o queixo na direcção do alferes de administração que geria o rancho, algo distante na mesa. E não é que o moço se refrescava também?

Indignado, nem tanto pela diferença de tratamentos, mas mais pela passividade quase reverencial da aceitação, fiz-me ouvir com voz sonora:

- Ó Senhor alferes, o senhor não tem vergonha de estar a beber cerveja fresca e servir vinho quente aos seus camaradas?

A tardia cotovelada que me deu o moço do lado para me parar teria sempre sido tardia. Por breves momentos fez-se silêncio à mesa. Mas não houve reacção. Por esta e outras quejandas inoportunidades(?), fui às vezes olhado de esguelha. Acredito que o meu índice de popularidade não tenha subido.

Para o êxito da missão que ali me levara tive o auxílio precioso do capitão-tenente Moreira do Amaral, o Imediato do Vouga. 

                                                                                     Base Logística, 24MAR1964


No mato perto, arranjou-se grande número de varas sólidas, direitas e compridas; e no baixa-mar que precedeu o preia-mar da largada das embarcações, andámos – Imediato, Pombo e eu, atascados no lôdo fino dos esteiros – a espetá-las no fundo, escolhidos de tal modo os lugares de fixação que as pontas visíveis na maré cheia definissem um canal.

                                                          Base Logística, 24MAR1964
                                      Base Logística, 24MAR1964. Fernando Cavaleiro e Neto Valente
                                                                 Base Logística, 24MAR1964. Destruindo o rasto

                                                 Base Logística, 24MAR1964. Destruindo o rasto

Com tudo pronto fui para ponte do Bór assumir a navegação. Assisti então a uma cena giríssima: Na praia, apenas Neto Valente e Fernando Cavaleiro, fazendo-se mesuras e dando cada um ao outro a primazia de embarcar. Queriam ambos ser o último retirante da praça reconquistada. Não sei porque ordem pisaram a prancha. Sei que mal começámos a navegar houve que parar tudo. Com gritos e acenos, alguém que perdera o embarque nadava esbracejando e pedia para ser recolhido. Era o G3, um grumete fogueiro que já dera nas vistas e porfiando conseguia agora a consagração: tomar de um  Comandante a sua vez protocolar de embarque, na retirada da Base Logística da Operação Tridente.

Na nossa esteira, LDM’s, LDP’s e mais embarcações.

Ah! Ninguém encalhou.   

Chegámos a Bissau às seis da manhã do dia 25.

                                                              Bissau, 25MAR1964. Chegada

                                  Bissau, 25MAR1964. Neto Valente recebe à prancha o Brigadeiro Louro de Sousa

                        Bissau, 25MAR1964. Neto Valente, Lopes de Mendonça, Louro de Sousa e Fernando Cavaleiro

                          Bissau, 25MAR1964. Chico Nascimento, Vasco Madeira, Sampaio Cabral e Martins Gomes

                                                                    Bissau, 25MAR1964

                                                                                               Bissau, 25MAR1964

                                                                                         Bissau, 25MAR1964

                                                                Bissau, 25MAR1964




Reabastecimento do Cachil e outras imagens de Março de 1964

                                          No Cobado, a bordo da Deneb, Março de 1964

                                                           No Cobado, Deneb, Março de 1964

                                                                                  Catió, Março de 1964

                                                                                            Catió, Março de 1964

                                                                       Catió, Março de 1964

                                                  Zona 1, Março de 1964. Burnay e Osório

                                                           Zona 1, Março de 1964. Fulas

                                                    Cachil, Março de 1964. Reabastecimento

                                                    Cachil, Março de 1964. Reabastecimento

                                                     Cachil, Março de 1964. Reabastecimento

                                                   Cachil, Março de 1964. Casa do Brandão

                                                                Cachil, Março de 1964

                                                                        Cachil, Março de 1964

                                                             Rebocador Atro, Março de 1964

                                                                LDM 203, Março de 1964

                                                           Balanta, Março de 1964


Domingo de Páscoa

Fomos encontrar-nos com o Bartolomeu Dias na foz do Geba. A bordo trazia um curso de cadetes da Reserva Naval em viagem de instrução. Trouxemo-lo na esteira até Bissau.

                                 Bissau, Domingo de Páscoa, 29 de Março de 1964. O Bartolomeu Dias

       Bissau, 29 de Março de 1964, Vouga. Bacharel, Tôrre, ‘Perry’, Cabral, ?, Sousa Santos, Pombo, Bento, Bandeira

Depois do jantar bateu-me a melancolia. Decidi que queria, porque queria, receber um telegrama; e fui esperar que chegasse, sentado ao lado do telegrafista de quarto na Cabina de TSF. Mas não fui de boa-fé, senão como explicar que levasse comigo um grande capacete de telefonista em que vazara o brandy de uma garrafa de Constantino? Por cada NAV chegado p’ra outro destinatário lá ia um gole ou dois. Fiquei até ao fim do período de radiodifusão, não fui contemplado e o capacete secou.

Ah! Guiné! Guiné!

Terça-feira post Páscoa

Era uso na Fuzeta, que não cheguei a viver, ir de pique-nique ao Cêrro da Cabeça na segunda-feira de Páscoa. Ia-se de burro com abundosos farnéis e passava-se lá o dia. Não pude deixar de lembrar-me deste costume, quando, mudados tempo e local, foi na terça e no Grande Hotel de Bissau 



que almocei com o Chico Nascimento, fuzeteiro de gema; e com sua mulher, a Maria Cecília. Tínhamo-nos encontrado no imenso granel que era o convés do Vouga no regresso da Operação Tridente. Cumpria tropa, pondo ao serviço do Exército a sua formação médica. Logo ali me fez o convite para os visitar no hotel. Foram muito simpáticos. Dias depois também os levei a um repasto naval a bordo.

Coimbra

Luiz Goes, uma voz apetecida, esteve connosco à mesa mais uma vez. Acertou-se a marcação de fados para dois dias depois, dia 5, com uma tertúlia de Coimbra, mas a guerra não se compadeceu com o acêrto.

Tenho uma recordação imprecisa de Sutil Roque, outra bela voz coimbrã, também junto de nós.


Operação Tenaz

Na segunda semana de Abril, na área de Cafine, no Rio Cumbidjã, teve lugar a Operação Tenaz, que envolveu os destacamentos de Fuzileiros Especiais 8 e 9, a LFG Escorpião, a LFP Canopus, as LDM’s 101, 201 e 302.

O Vouga não esteve envolvido, mas o Bento colheu do regresso da operação, na ponte-cais de Bissau, duas imagens para memória futura: 





Bubaque, Abril de 1964









Veio de Estibordo empenado

Foi no canal entre Jèta e Caió, era 18 de Abril. Apercebemo-nos bem de ter roçado o fundo. Momentâneamente o navio desacelerou. Pararam-se as máquinas. Flutuávamos bem. Para avaliar das conseqüências, fez-se rodar os hélices a vários regimes e concluiu-se que o veio de estibordo ficara avariado e provocava vibrações sôbre a estrutura. Não muito violentas, mas chatas de suportar nos níveis mais baixos do navio. Continuámos a navegar e fundeámos na foz do Cacheu.

Considerados prós e contras, o Comandante aceitou continuar na Guiné sem reparação da avaria, tendo passado a navegar apenas com a máquina de bombordo, usando esporàdicamente a outra para manobras difíceis.

Temia-se que a aranha também tivesse sofrido, mas constatou-se que não depois do regresso a Lisboa. Andámos pois ao pé-coxinho durante meio ano. 


Bolama, Abril de 1964

Fundeámos em Bolama na manhã de Domingo, 19 de Abril.


Na terça-feira falei para casa. Felicitei minha mulher por ser o seu dia de completar os anos da maioridade. Grande surpresa. Ouvia-se como se Lisboa estivesse nos confins; e estava de facto. Ou era Bolama?

O Destacamento nº 7 de Fuzileiros Especiais preparava um operação em grande. Na véspera houve ronco municipal que incluiu arraial quase minhoto. Balões, musiquinhas, quermesses, comeres e beberes, etc.

Entende-se que em dias tais, os fuzileiros deitem contas à vida, escrevam cartas que o acaso pode ditar serem as últimas e tentem esconjurar os mêdos. Ou longe de todos, a sós com o seu silêncio, ou no pólo oposto, no frenesim de aturada convivência.

Sentado com Neto Valente e com Correia do Amaral numa improvisada mesa de madeira com cheiro a recém-cortada e ainda húmida, espetada no chão vermelho tórrido, comíamos algum pedaço de lingüiça empurrada a pão e cerveja. À nossa volta o contingente de fuzileiros que optara exorcisar-se pelo poder da extroversão a que o arraial convidava. A cerveja corria goelas abaixo, de copos como de gargalos.

Era conhecido de muitos fuzileiros que encontrara na minha curtíssima estadia em Vale de Zêbro tempos atrás, tal como de outros com que me cruzara em navios e que tinham mudado de classe. Não estranhei por isso que um deles se me tivesse dirigido, oferecendo-me cerveja fresquinha de uma garrafa de Pilsener, para esquecer a que restava, chóca, no copo – Senhor tenente, isso já está quente! As bolhinhas líquidas da condensação cobrindo todo o vidro eram um convite. Aceitei e pu-la à boca. Só ao terceiro ou quarto gole percebi que caíra numa esparrela: estava a beber whiskey às goladas.

Era cedo quando regressámos a bordo. À excepção do Comandante, não creio que alguém superasse o teste do balão. O Bento não ficaria longe disso; e a seguir, talvez eu. Na caminhada até à ponte amparámos os mais precisados. O percurso no escalèr até ao navio, o ar nas ventas, dissipou alguns vapores. Mas um certo doutor médico a quem batera a nostalgia e se dera ao desfrute de Dioniso, foi com duas muletas – eu e o Bento – que entrou no camarote. Não o deitámos no beliche sem antes o sujeitar a um velho tratamento    

                                                       Eu, o Pombo e o doutor. O Bento ficou atrás da ocular

que provocou sentido arrependimento, bem expresso em palavras sincopadas e lamuriosas que soltava enquanto lhe despejava a água do balde:

- Eh pá! Tu não digas a ninguém… Eu sou méééédico… sou méééédico!...                                                                                                                                    
Solidão assistida

A Câmara de Oficiais é um espaço talhado p’ra convívio, mas as exigências desencontradas dos serviços faziam que nem sempre os ócios coïncidissem no tempo. Da presença constante das vidas deixadas nas nossas esteiras, decorria uma ou outra insónia, tornando por vezes a Câmara, às mais inesperadas horas, um silencioso ponto de encontro de cada um consigo mesmo.

Um cálice enchido de uma garrafa ao acaso era companhia casual. Com o cigarro – tabaco forte se possível – e os novêlos de fumo a compôrem o ambiente… já éramos três.

Condoídos, compareciam então Jacques Brel, Léo Ferré ou Brassens. José Afonso nunca faltou à chamada e ainda estou p’ra saber como ‘Os Vampiros’ aguentaram dar som até ao fim, tantas vezes foram lavrados os sulcos do disco. Pela mão da Deutsche Grammophon também David Oistrakh, alçando o violino e trazendo uma orquestra atrás, nos visitava muito com os concertos de Mendelssohn e Beethoven.



Em ocasiões outras, mais participadas, esteve connosco de forma tangível o miliciano Luiz Goes que, por falta ou destreino dos instrumentos nos não chegou a dar a sua voz. Luís Penedo, em serviço na Armada, ao tempo dedilhando sons de Coimbra, apareceu na ‘Diogo Gomes’ que nos veio render. Foi muito ouvido. Há vinte anos e já com afinação de Lisboa tornou-se Presidente da Academia da Guitarra Portuguesa e do Fado de que com minha mulher e alguns amigos fui co-fundador.

Fado que nos chegou de Lisboa em ocasiões especiais na pessoa de uma Hermínia muito chunga e divertidíssima que o Sousa Santos, sempre aplaudido, mimava p’ra nós, acompanhado na banza pelo Pombo Rodrigues. Que pena, José Malhoa os não ter tido por modêlo.  



Primeiro-tenente

Todo ufano estreei os galões no dia primeiro de Maio.


De combóio p’ra Bafatá

Desde a chegada a Bissau não temos desperdiçado oportunidades para ir a um recinto desportivo da cidade, usar o corpo e consumir energia. O andebol de sete foi eleito desporto preferido. Sapatilhas, calções e camisola ou um fato de treino, uma bola, pouca gente, um piso plano e uma baliza, nada mais é necessário.

O professor Raposo que dava ginástica no Liceu Gil Vicente era um entusiasta do andebol e contagiava os alunos. Foi dele que aprendi os primeiros rudimentos. Anos depois, o Sousa Santos, talentoso, saído do mesmo liceu, atingiu a selecção portuguesa da modalidade. Era ele que orientava os treinos em Bissau. Até me custa confessar quanta falta de juízo se seguia a cada treino; e só o faço p’ra ser fiel à verdade: depois de uma longa hora a suar, a reposição de líquidos, fazíamo-la a longos goles de geladíssimas garrafas de cerveja Beck´s de litro empinadas à boca.

Outras vezes era o ténis. Aqui, Vasco Madeira e eu, fazemos pares mistos com a filha do governador e uma amiga, pouco antes da chegada de Arnaldo Schulz para substituir o nosso camarada Vasco Rodrigues.


                                                               Bissau, Maio de 1964

Pouco a pouco ganhando adeptos, foi-se construindo uma equipa de andebol. De início sem competidores, depois rivalizando com os fuzileiros e por último unidos com eles num misto da Marinha, desafiámos os campeões da Guiné e a 22 de Maio vencemo-los por 18 a 13, arvorando-nos campeões.

Neste comenos, alguém se lembrou de usar o realce que o andebol vinha ganhando para uma partida muito bem tramada.

O meio em se movem os médicos por força das suas funções específicas, fá-los muitas vezes estranhar, quando lhes cabe embarcar, esse ambiente diverso que os navios são. Não é invulgar por isso vê-los ser escolhidos para alvo de brincadeiras. Foi o caso.

- Eh pá, fomos convidados para jogar andebol em Bafatá e temos que levar médico e massagista. Vamos amanhã; e como estás mais livre podias ir à estação comprar os bilhetes p’ró primeiro combóio… 

Houve que acrescentar que estávamos todos muito ocupados e que a expedição seria protegida por uma pequena força armada, já que Bafatá se tornara uma zona pouco recomendável para excursões.

Quanto ao local da estação, o melhor seria ir perguntar no Comando da Defesa Marítima – onde claro, tinham sido prèviamente industriados. Dali foi para o aquartelamento de fuzileiros; e lá ou na cidade, alguém lhe disse afinal que não havia combóios na Guiné.

Foi no regresso que mostrou quanto nosso companheirão é. Não se mostrou nada melindrado. E foi em riso conjunto que celebrámos mais uma peripécia da ‘chave do portaló’.


Bissau – Mostra breve


                                                            Bissau, Fevereiro de 1964. Justiça

                                               Bissau, Fevereiro de 1964. Nuno Tristão olha o Geba

                                                   Bissau, Fevereiro de 1964. Dia de Ronco

                                                    Bissau, Fevereiro de 1964. Dia de Ronco

                                                   Bissau, Fevereiro de 1964. Dia de Ronco

                                Bissau, Fevereiro de 1964. Dia de Ronco. À esquerda a cúpula do museu

                                              Bissau, Maio de 1964. À hora da meridiana

                                                              Bissau, Maio de 1964. Missa

                                         Bissau, Maio de 1964. Nuno Tristão na avenida principal

                                             Bissau, Maio de 1964. Aos navegadores portugueses

                                                      Bissau, Maio de 1964. Diogo Gomes

                                                          Bissau, Maio de 1964. O bazar

                                                             Bissau, Maio de 1964. No bazar

                                                          Bissau, Maio de 1964. Do bazar

                               Bissau, Maio de 1964. A UDIB -  União Desportiva Internacional de Bissau

                                                          Bissau, Maio de 1964. Os correios

Nesta mostra falta a livraria em que me abastecia. Numa rua paralela ao rio, logo acima da marginal e não muito longe da avenida principal, havia um livreiro – sabia tão bem o nome dele… -  que embora muito solicitado não deixava esgotar a mercadoria. Mas tendo o seguro morrido de velho, para as ausências maiores de Bissau, permitia-me a fantasia de comprar livros às prateleiras. Era o tempo de ler Somerset Maugham, Steinbeck, Martin du Gard, de ler tudo o que aparecesse sobre 2ª Guerra e os judeus, de ler (às vezes não ler) uns pretensiosos livrinhos muito sóbrios da Presença, de capa cinzenta, acabados de editar. A limitação que tinha eram os pêsos do preço: não podia esquecer que havia um menino lá em casa.


Operação no Como. Mais uma

Transportados no Vouga para Sueste, fuzileiros e pàraquedistas, embarcam depois em lanchas de desembarque e vão ocupar posições pré-determinadas.








Fogo de cobertura. 

A 18 ou 19 de Maio voltámos a disparar as peças. Desta vez para cobrir o desembarque do DFE9 na Ilha de Caiar, onde estivera montada a Base Logística da Operação Tridente.

O destacamento, comandado por Metello de Nápoles, foi transportado numa LDM, o Pombo Rodrigues embarcado com a tarefa de a fazer chegar à praia onde fôra a base. Nas imediações do ponto desejado, o DFE9 guarneceu os botes de borracha e arrancou. Foram alvejados botes e LDM. Aí entrou em acção o ‘Vouga’, que estava fundeado a uns 15 quilómetros, atirando para a posição do inimigo. De início com informações àcerca dos pontos de queda dos projécteis, pelo Pombo; e depois – situação prevista e preparada – por outro oficial artilheiro, o Martins Bota, embarcado num helicóptero e com visão privilegiada sobre a operação. Os primeiros tiros foram logo bons e só tive que fazer correcções em distância. Chegou-se ao apuro de me ser pedida uma correcção de 50 metros que não usamos – o mínimo é 100 – e que não respeitei. Só que de seguida o Bota me pediu de novo 50 em sentido contrário. Tanto quanto foi possível fi-lo: Na ‘mouche’! – foi o que ouvi.

Apesar de a distância ser tão grande, com os binóculos estabilizados sobre uma repetidora da girobússola, consegui ver algumas gèrbes pertíssimo dos botes. Assustou-me a proximidade, uns duzentos ou pouco mais metros. De qualquer modo, como artilheiro fiquei vaidoso do fôgo que fiz. Que fizemos.

A guarnição era boa. No Serviço de Artilharia havia gente de muito bom nível. Já esqueci nomes, mas Afonso, o sargento da peça de vante, os cabos Louro e Cigarrinho, marinheiros como o Fernando, o Niza, o Roque… eram gente que não dispensaria.

Acabado o fogo e com a peça quente ficou uma munição na câmara. Havia que dispará-la. Foi disparada para um esteiro. Como entretanto caía a noite, quis aproveitar a circunstância para testar o estado das munições iluminantes, de que desconfiava. Autorizado, fiz um primeiro disparo que nada iluminou. Tentei de novo, com o mesmo resultado. Material com muitos anos de idade e composição química alterada, já não cumpria a função.

Ainda hoje são motivo de gozo os meus foguetões de luz negra.

Gostava de ter sabido do Metello se se tinha sentido ameaçado por um fogo de tão longe a caír-lhe tão próximo; e por outro lado, se havia sido cumprido o objectivo, isto é, se de facto o tinha protegido. Não o soube. Anos mais tarde visitei-o em Faro quando comandava a Zona Marítima do Sul, mas deixara de ser oportuno perguntar-lhe.
Era mesmo verdade. As peças de 120 eram espingardas grandes. Onde se punha o olho punha-se o tiro.


Bubaque, Junho de 1964


                                                    Bubaque, Bruce. Excursão venatória

                                                                         Bubaque, Bruce

                                       Bubaque, na residência do Administrador. Aperitivo… ostras

                                            Bubaque, na residência do Administrador. O almoço


Bolama, Junho de 1964

                   Reconheço os três marujos, mas só do Baleizão, que segura o croque à popa, lembro  o nome


                                                                      Ulysses Grant

É neste entretanto – chegaram a 3 de Junho - que Moreira do Amaral e Martins Gomes têm por uns dias suas mulheres em Bolama, hospedadas no Hotel de Turismo, de pretensiosa frontaria.




Tornado

Na noite de 17 de Junho fomos à Ilha dos Escravos, levar fuzileiros para uma operação. Enquanto ali estivemos aconteceu um tornado. Vento modesto: 110 km/h.

Bissau, Dia da Marinha

O desenrolar da guerra terá decerto estado na origem de ter-se comemorado o Dia da Marinha em 21 de Junho e não em 8 de Julho, como era uso na época. 







Bissau, 23JUN1964

A Diogo Cão – F 333 – chega a Bissau. Traz a bòrdo o Destacamento de Fuzileiros Especiais Nº 10.


De volta a Lisboa levará o Senhor Lima, fiel de artilharia do Vouga. O desempenho de funções que teve, obrigou-me a castigá-lo e prescindir dele. Custou-me imenso. Primeiro sargento em fim de carreira, teria sido muito mais agradável propor-lhe um louvor. Coitado, estava marcado pela alcunha – pai da desgraça.


Bissau, 4 de Julho de 1964. Recital de canto lírico

Aconteceu na Associação Comercial. Gostaria de ter ido ouvir o Calvão. Amarrado ao beliche com uma gripalhada não pude. Parece que se houve muito bem.

Sabia desta sua inclinação artística que também em tempos pensei cultivar. Cheguei a ter aulas em Lisboa com Dona Ema Cordeiro que me catalogou como tenor dramático, classificação que achei encantadora e digna de figurar num cartão de visita, mas que levei à conta de agrado ao então potencial aluno. Deixar de fumar e recusar um eventual cálice ao café, foram no entanto exigências excessivas.

A que propósito falar deste meu fracasso?

Recüemos à Escola Naval, antes do fim de Fevereiro de 1957, data em que deixei de ser caloiro, quero dizer mancebo. O primeiro tempo de aulas das tardes de quarta-feira era preenchido com Marinharia, a cargo do cabo ‘Filaças’. Por vezes esse tempo era usado para uma sessão de cinema naval para todo o Corpo de Alunos que à data contava 81 cadetes. Do primeiro ano éramos só 16, do que resultava que enquanto não chegava o instrutor p’ra começar a projecção, não tínhamos mãos a medir, praxados por um, por outro e ainda por outro.

Chamou-me o Semedo que apontando o Calvão me encomendou um recado:

- Mancebo, vais da minha parte dizer ali àquele Senhor Guarda-Marinha, que em Lourenço Marques (não me lembro onde) há maningue merda.

Depois de suportar uns dois ou três ‘flaque-têtes’ da mão grande do Calvão espalmada na testa, fui incumbido da resposta:

- Vai dizer ao Senhor Guarda-Marinha Semedo que onde há merda maningue é no Desportivo de Beja.

A mão do Semedo era ainda maior que a do ´Maningue’.

Com muita oportunidade entrou o instrutor e começou o cinema.

Quando apanhei o Calvão a jeito, consegui levar a conversa para a ópera, disse-lhe das minhas aulas e como se mostrou interessado, indiquei-lhe a Dona Ema Cordeiro. Nunca mais me fez praxe.


Campeane, 8 de Julho de 1964, no fim da Operação Tulipa

Pelas dez da manhã saímos de Bissau e fomos reabastecer ao cais de Bandim. Prontos antes das cinco da tarde, largámos. Pouco depois, para surpresa nossa, voltámos à capital. Ainda de forma pouco precisa soubemos a razão da mudança de planos. Um avião português fizera fôgo sôbre forças nossas, tendo havidos alguns mortos e muitos feridos. O navio aguardaria em Bissau a eventualidade de ser necessário ir prestar assistência.

Decorria uma operação de envergadura – Tulipa - que se desenvolvera no extremo Sueste do território, levada a cabo por todos os quatro destacamentos de fuzileiros especiais que tinham sido transportados pelo ‘Pedro Nunes’ até perto de Cacine. A operação estava quase no fim.

Chegado havia poucos dias, o destacamento 10, comandado pelo Roncon, fazia o seu baptismo de fôgo. E que baptismo! A primeira informação dava-o como tendo sido alvo de todas as baixas. Soube-se depois que as dividira com o DFE8. Quatro mortos e mais de quarenta feridos.

Um sistema de comunicações deficiente ou mal usado, ou ainda uma percepção errada das informações trocadas, redundou em não se saber no avião quem era quem cá em baixo, tendo o piloto tido tempo para duas picadas aziagas.

Na tarde do dia 9 fui aos funerais, uma manifestação oportuna de solidariedade naval. Depois, para lhes dar algum ânimo, fiz companhia ao Roncon e à mulher e jantámos juntos. Parecendo-me que ele começava a ir-se abaixo arrastei-os até ao navio para que tivessem mais gente amiga à volta. Oxalá tenha resultado.


Caió, 11 de Julho de 1964. O 1º Ronco

Largámos ontem à tarde de Bissau onde estava de serviço; e assim continuei, logo que fundeámos.

Em àlerta. O Presidente da Rèpública em viagem para Moçambique a bòrdo do Princípe Perfeito, passa perto.

Compreende-se que tenhamos fixado a data de largada de Lisboa. Foi importante para muitos de nós. É natural por isso que a visão do seu número representativo, ao escrevê-lo numa carta ou no Diário Náutico, ao lê-lo no calendário ou ouvi-lo pronunciar, nos traga a lembrança das emoções vividas. 

Assim terá acontecido quando já bastante noite nos fomos juntando na Câmara. Sorrateiro, o onze insinuou-se entre nós. Fizeram-se contas – andavam mais do que feitas – e zás: faz hoje seis meses! Mas eram já duas horas do dia seguinte – pelos vistos a nossa hora canónica - quando tudo começou: chouriço assado em álcool e umas garrafas de Dão tinto. Depois vieram conservas e apareceram nozes e amêndoas – aperitivos chegados sem dúvida no tempo próprio – e não tardou abria-se espumante e bebiam-se outras especialidades espirituosas a eito.

Aconteceu porque aconteceu. Espontânea. Foi uma confraternização e tanto. Alegria alcoólica a rôdos. Tão necessária e tão genuïna! A debandada para os camarotes começou às quatro. Fiquei só, a ver as fotografias recebidas de casa e a consumir-me em angústias. Admiradíssimo quando subi ao convés e vi o Sol. Era Domingo e pude enfiar-me no beliche até ao almoço. De resto, havia muito balanço em Caió e aceitava-se bem a horizontal. 







Bissau, 12 de Julho de 1964

O Pedro Nunes sai hoje para Lisboa. O engenheiro, doente, está na Metrópole. Para exercer a função, o Silva Coelho foi para lá movimentado em diligência. Passará cinco dias em casa. Que inveja!


O  ‘Lima’ vem à Guiné


Chegada do Lima a 17 de Julho. Parece ter tido avaria no radiogoniómetro. Rendez-vous na foz do Geba. Sobe o rio na nossa companhia. Navio com muito bom aspecto. 

                                                         17JUL1964, Lima a subir o Geba

Navegando lado a lado, voou sobre nós o Pombo aviador, fazendo a usual pirueta. Ele lá saberá como entre dois navios gémeos identificou o nosso.

Chegados a Bissau, o Comandante Moura da Fonseca – Zé da Moura - no cais olhando o Vouga, vê-me no convés. Talvez por nos conhecermos do Militar Naval, interpela-me com um discurso crítico sobre o atavio do nosso pessoal, com particular incidência sobre os troncos nus e as sandálias de plástico. Sugeri-lhe que entrasse e falasse com Neto Valente. Preferiu seguir caminho.

Recebi depois a visita do Artur Fiadeiro, meu condiscípulo artilheiro. Amanhã vou a bordo do Lima despedir-me dele.

Voltarão à Guiné e a Bissau nos dias 27 e 28.



Bissau, 18 de Julho de 1964
- 6º Centenário da Redescoberta da Guiné

Tão bem comportados tínhamos sido até uma semana atrás, quando lembrámos o 11 de Janeiro… Quem acreditaria que aquilo tivesse sido apenas o ensaio geral de uma representação com inúmeras réplicas até ao regresso a Lisboa?

O desanuviamento resultante do convívio de Caió foi de tal modo agradável que logo se congeminou uma recidiva mais enramalhetada. Houve tempo para preparativos e fez-se mesmo um programa que incluía distribuição de encargos, indicação do traje e horário do ‘ronco’.


Horas que não foram respeitadas – longe disso.

Em meio a uma sociedade que adia na presunção de resolver, de súbito, contra todas as expectativas, o início do ‘ronco’ foi largamente antecipado.

Erán las dos de la mañana!


O nosso distinto imediato e amigo… deu-lhe uma coisa má. Teve um àmok! Irrompeu pelos camarotes num vozeirão cavo, profundo e muitos decibéis acima do habitual, compeliu-nos ao banho, a aparar as barbas, carregar nos perfumes ‘aftersheivícos’ e comparecer na Câmara trajando de branco completo – desistira-se do uso da jaqueta por nem todos a terem. Assim se fez.


Qué pasa?

- Faz hoje seis meses que chegámos à Guiné. Os meses aqui contam-se por séculos. Vamos comemorar o 6º Centenário da Redescoberta da Guiné. A nossa redescoberta da Guiné.

Mesmo tendo vivido os acontecimentos, não é fácil crer no que pode o querer. A mobilização foi instantânea e tudo quanto preparáramos começou a surgir. A taifa apresentou-se sorridente. O compartimento foi arrumado quanto possível. Apareceram candelabros – desenho meu – e balões. Posta a mesa em obediência aos bons  preceitos, a baixela impecável, os copos ofuscantes de brilho novo. Até flores… Aberta a escotilha do paiol da despensa, dele começaram a sair as vitualhas adeqüadas a tão memorável feito da inenarrável gesta lusa, algumas compradas por mim na véspera, como caviar, foie-gras, queijo com camarão, mexilhões, etc.


Mais tarde compareceu um bôlo coroado com seis velas.

Todos botaram discurso alusivo à presença na Guiné, obrigatòriamente em idioma estranho. Falei em francês, mau francês; e juro não ter idèia do que possa ter dito.

Mas veja-se quão escorreita estava a carta de vinhos:





Aos brindes foi feito o anúncio oficial da criação da Ordem do Jàgudi Emboscado.


- Porquê do Jàgudí?


- Sendo uma
Ave de rapina falconiforme, "falcónida accipitridae", presença frequente nas árvores ou grandes arbustos da savana da Guiné, o Jàgudí, com a denominação científica de“Necrosyrtes monachus”, poder-se-á definir como o abutre-de-capuz ou, em língua inglesa, hooded vulture.
(Classificação retirada do blogue Reserva Naval, 18JUN2008)

- Poder-se-á dizer dele também que
O jàgudí é uma ave curiosa que parece feita de várias outras aves.
Bico recurvado de papagaio.
Olhos vivos de falcão.
Cabeça de galo a que amputaram a crista.
Pescoço enrugado de peru em véspera de Natal.
Corpo avantajado de avestruz, de penas sem brilho e de cor indefinida.
Pernilongo como um flamingo, mas com aceradas garras de águia imperial.
No solo, caminha como marujo recém-desembarcado a quem falta o balanço.
Em contrapartida, na Guiné é rei dos céus, onde paira, elegante, especialmente enquanto o sol não transforma a manhã amena no inferno do meio-dia.
É o mais eficiente dos funcionários municipais.
Ocupa-se da limpeza da via pública e não há ponta de lixo que não atraia a sua visão de lince. Remove-o, total e diligentemente; e leva-o para o ninho, dando às ruas e jardins o ar asseado da manhã.
Transcrito, com alterações, de um interessante texto de Magalhães Pinto em “entre aspas” em 28JUL2012.

- E porquê emboscado?

A explicação é um pouco mais rebuscada:

Na reportagem de situação (SITREP) de cada dia, tinha o navio que informar as chefias, entre outras coisas, da posição onde estava. Ocorria bastas vezes estar a navegar no Rio Geba, o rio de acesso natural a Bissau, o maior, o mais largo e mais sujeito ao regime atlântico. Nesta alínea, em que a informação bem poderia cingir-se a um sêco, ‘No Geba’, o Comandante não resistia ao seu eu e escrevia: ‘Algures emboscado no Geba’, manifestamente uma impossibilidade para um navio do tamanho do Vouga num rio da largueza do Geba.

O capitão-de-fragata Manuel Lopes de Mendonça era o Comandante da Defesa Marítima da Guiné e o capitão-de-fragata Rui Adélio Neto Valente comandava o Vouga. Promovidos no mesmo dia aos postos de  guarda-marinha e de segundo-tenente, também na última promoção quase tinham coïncidido. Eram amigos e cúmplices. E por nós tratados carinhosamente por ‘Contra-mestre Manel’ e ‘Pampas’.

Quando o Comandante da Defesa Marítima da Guiné recebia a mensagem que o informava estar o Vouga ‘algures emboscado no Geba’, só podia sorrir. E quando frente a frente fazia a provocação de perguntar como se conseguia emboscar o Vouga, o outro não se esquivava e embrenhava-se em explicações filosóficas, tudo acabando em pagode.

Guiné e Vouga irmanados na expressão Jàgudí  Emboscado, fizeram história.

Foi assim que,

Sem concordância Papal nem consulta ao Presidente da Rèpública, mas dando seqüência ao princípio de restauração do prestígio das Ordens Honoríficas Portuguesas iniciado por Sua Majestade a Raínha Dona Maria, a Primeira; e sob os Saber e Graça de um Grão-Mestre de carácter transiente em função de parâmetros como disponibilidade e oportunidade, foi criada a Ordem do Jàgudí Emboscado.

Não se perdeu tempo em mariquices heráldicas como: de negro, jàgudí volante sobre céu prateado, ou lisonjas de azul perfiladas de ouro postas em cruz. Nada disso que seria muita cêra para tais defuntos. Tudo se resolveu com rapidez cortando quadrados de aço inox, furando-os num canto onde se enfiou uma fita vermelha e fixando-lhes com adesivo transparente, papelinhos com indicação dactilografada do nome da Ordem. A eficiência é simples.

Estavam feitos os colares da Ordem, que num exercício de democracia em forma pura, eram iguais p’ra Grão-Mestre, Grande Oficial ou simples Iniciado.




Atente-se na estética conseguida com o uso dos capacetes amarelos da Segurança, indispensável adereço do ritual de iniciação.


Acima, o Sampaio Cabral, que foi o primeiro Grão-Mestre da Ordem, a arengar no comêço da cerimónia das investiduras;


e aqui, o Bandeira, que Oficial de Dia tinha que tomar conta de todo o maralhal, a vestir o colar ao Bento. 


Em momento de muita solenidade acenderam-se os seiscentos anos de velas.


Todos alegremente investidos no Grande-Oficialato da Ordem,


que aqui já tinha outro Grão-Mestre, o Imediato, coberto com o tetracórnio.

Por fim houve baile. Não havendo damas para abraçar, rodopiando sòzinho, cada um terá imaginado a sua. 








Imperou nos festejos um misto de alegria e camaradagem que descambou em sonolência.

Bissau, 19 de Julho de 1964 – Abertura ao mundo

Com a embalagem adquirida na véspera foi irresistível ter que dar conhecimento ao mundo dos sucessos da nova Ordem.

Foram feitos aos amigos os convites que a pressa permitiu e investidos os primeiros irmãos exteriores à Câmara de Oficiais do Vouga.




No fim, houve espectáculo com uma versão aligeirada dos Beatles.


Mais tarde, tornou-se canónico mostrar ter cabeça dura o suficiente para querer irmanar-se connosco na ordem, pelo que o ritual passou a incluir mais duas transições: parar a ventoínha de teto da Câmara com a cabeça e suportar que lhe partissem na dita um ou dois discos de 78 rotações, 


que havia em abundância e já não eram usados.


Comboiar transportes de tropas

A 20 de Julho o N/M Índia e a 21 o N/M Benguela, foram comboiados por nós nos percursos entre Caió e Bissau.


Pau-sangue

Fui à serração do Zé Malcriado. Acertei com ele a compra de um metro cúbico de pau-sangue por um conto e quatrocentos. Três semanas depois, a 11 de Agosto escolhi as pranchas e paguei.

Compra que veio a ser útil dois anos mais tarde.
Nascido mais um rebento, desenhei para lhes mobilar o quarto um móvel de dois andares, grande, pesado, quadradão e cheio de arestas. Quatro módulos: dois beliches em éle, uma cómoda e um guarda-roupa. Foi feito pelo Cabo Carpinteiro Cópio, que tinha oficina em casa. Serviu anos a fio e hoje está em casa do segundo filho. Madeira eterna o pau-sangue.



Operação Broca - Imagens


                                             Rio Ganjola, afluente do Cobade. A Noroeste de Catió

                                                                        No Rio Ganjola



Cruzando informações na busca de confirmar as minhas lembranças, encontrei no blogue ‘Fora nada e vão três’ um post (carta) de Carlos Geraldes, datado de 2009,  relativo a esta operação, que me enterneceu ler e envaideceu por saber que alguém achou boa a esteira da nossa singradura. Não posso deixar de transcrever:

“Desta vez fomos para os lados de Catió e Bedanda, perto da fronteira Sul. Fomos e viemos a bordo de um contratorpedeiro, o “Vouga”. Ficámos assim a conhecer uma série de oficiais da Marinha, extraordinariamente simpáticos. Ficámos todos entusiasmados com o nível de educação, camaradagem e cultura destes indivíduos. Trataram-nos muitíssimo bem, principalmente quando no regresso do mato aparecemos todos sujos e esfarrapados. Não se pouparam a esforços, arranjando-nos banho, roupas lavadas e comidas quentes, apesar de já passar das duas horas da madrugada.”


Companhia de Artilharia

Num dia do início de Agosto, coube-me ir a Catió recolher uma Companhia de Artilharia.

                                                                   Ponte-cais de Catió

Levava duas LDP’s, sendo que na segunda embarcava também o Sampaio Cabral.

A Companhia tinha calcorreado durante três dias a zona em que se pretendia combatesse o inimigo, missão que não pôde cumprir porque não teve contra quem. Esgotara água e comida e não dera um tiro.

Recebi cento e tal homens sedentos, esfaimados e agitados, preparados para guerrear e com as cartucheiras cheias. Valemos-lhes como pudémos, o que foi quase nada.

O céu estava escuro e a tarde começou a tornar-se noite. Iniciado o regresso, apareceu a chuva. O crepúsculo já de si tão pequeno nas latitudes baixas, não teve tempo de se mostrar. Vento brando permitia que a água caísse grossa e vertical. Visibilidade muito curta. Era contando ribeiros e riachos que entroncavam nas margens que sabia quando e para onde devia guinar. Os Távoras deviam andar por perto, algum rio sumido na chuva e na noite não veio à contagem e perdi-me. A complicar, o Cabral que me seguia, perdeu-se de mim. Chamei de lado o Comandante da Companhia, disse-lhe o que se passava e pedi-lhe para estar de olho no pessoal e no seu inquieto comportamento, não fosse dar-se o caso de as coisas piorarem e haver que responder a um eventual ataque das margens. Isso estava facilitado porque para que as lanchas soubessem uma da outra e voltassem a reünir-se mandei acender os projectores para cima. Iluminada a chuva e denunciadas as posições, pedi ao Cabral que parasse a lancha e fui em busca dela. De novo juntos, fundeei a minha lancha para ver para onde corria a água. A maré já vazava, mas ainda muito perto do estôfo. Só com um pedaço de madeira a flutuar tive a certeza do sentido a seguir. Quando avistámos ao longe as luzes do Vouga os espíritos serenaram. Dando curso ao alívio sentido, o Patrão não resistiu e pediu velocidade ao motor. Já em mar aberto e com bastante ondulação, em dois ou três minutos de balanço alguns soldados começaram a fraquejar. Tive de sofrear o ânimo do cabo.

Tudo está bem quando acaba bem.  



Saltar à corda

Sob o título oficioso e sugestivo de Chefe dos Serviços de Artilharia Naval, o Comando da Defesa Marítima incumbiu-me de gerir o armamento naval, com enfoque especial na reparação de avarias. Só lanchas de desembarque eram quase vinte. Foi maior a responsabilidade que o trabalho, levado a efeito numa dependência da zona das oficinas navais. Com dois aptos marinheiros artilheiros – Almas era o nome de um deles - tudo se foi resolvendo.

Até que um dia apareceu uma MG-42 com defeito e mal identificado. Foi desmontada, limpa, lubrificada e refeita. Municiada, passou à carreira de tiro para teste. Iniciado o fogo, a arma, descomandou-se e emperrou em fôgo de rajada. O marinheiro que deitado no chão a empunhava não conseguiu evitar a queda do bipé e a metralhadora, fazendo fulcro sôbre o tapa-fôgo embirrado na areia do chão, desatou a rodar sem que houvesse força que a detivesse. Longe de se acabarem as munições da fita, a rotação aproximava dos meus pés a trajectória dos tiros. Tive sangue frio. E sorte. Com a serenidade possível, esperei o momento de saltar sôbre a corda materializada pelos projécteis. E esgotou-se a fita.



Novo Ronco

Mesmo quando é curta a permanência em Bissau, a vontade de receber, de conviver e ter connosco gente que insiste em viver para além da guerra, aponta sempre o caminho de mais uma pequena festa, a colmatar as oportunidades perdidas de Janeiro a Julho.

Convidados permanentes eram todos os oficiais de marinha não ocupados que estivessem por perto. Entre os que nos acompanhavam, havia um singular camarada com ADN de mar que tomava de assinatura o sofá individual postado à entrada da câmara. Silenciosamente, serenamente, paulatinamente, participava com o olhar e um meio-sorriso. Poupando quanto podia em gestos inúteis, segurava sôbre o braço do assento um balão com brandy, ora meio-cheio ora meio-vazio, ao lentíssimo compasso com que o levava à boca e o criado lhe renovava o conteúdo. Pouco de cada vez, com unção, num rito de saber beber e fazer disso um gôsto. Ali passava o serão e olhá-lo chegava para sentirmos a sua companhia. Tão sóbrio como entrava, era assim que saía.

                                                          Bissau, Vouga, Agosto de 1964

                                                      Bissau, Vouga, Agosto de 1964

                                                          Bissau, Vouga, Agosto de 1964

                                                                Bissau, Vouga, Agosto de 1964

                                                           Bissau, Vouga, Agosto de 1964

                                                             Bissau, Vouga, Agosto de 1964

                   Bissau, Vouga, Agosto de 1964. O Silva Marques e o Lino Góis Ferreira, companheiros da Amadora



Vôo nocturno

Vieram dizer-me que o Catarino Salgado perdeu a mão direita em acidente com uma granada. Dificilmente me perdoarei que por distracção tenha deixado num táxi o livro que me oferecera: ‘Vôo nocturno’, de Saint-Exupéry. Mais do que o livro perdera-se a dedicatória, agora irrepetível, numa letra bonita a tinta muito preta, com palavras de generosa amizade. Ao acabar a Escola Naval tinha ido para o Horta, onde eu era imediato do Guise. Ali fortalecemos a mütua simpatia nascida na escola.



Operação Dedal – Imagens





















Refazer marcas de navegação no Tombali - Imagens

Um acesso de mau tempo deu cabo das marcas – visuais e radar - de ajuda à navegação.

O Serviço de Máquinas do Vouga foi reparar os estragos. 







Um másculo Can-Can

É verdade que os sapatos eram de camurça branca; e também que a sola de anta tinha a mesma côr. Do mesmo modo as peúgas, calças e camisas. Destoavam as passadeiras nos ombros, que sôbre fundo preto exibiam todos os ouros a que tinham direito os capitães-de-fragata. Mas nem a alva brilhância dos uniformes conseguia rivalizar com o imaculado da toalha de algodão adamascado que pisavam.

Restos de água e vinho no fundo dos copos meio-cristal nem por isso roubavam requinte ao brilho da mesa cuidadosamente posta, a despeito de algumas migas. Dos pratos perfilados a ouro restavam os de sobremesa. Peças Christofle com o brilho baço do tempo, atestavam o desgaste do uso diário. Os guardanapos, cumprida a função, pousavam amarrotados e dispersos.                                                                                                                                                Foi este o tablado em que por saborosos momentos assistimos a uma dança espontânea a que se deram os dois amigos. Sem a elegância que nos habituámos a ver em reproduções do Moulin Rouge, sem o frou-frou do roçagar das vestes, o levantar das saias e a visão das jarreteiras, esforçaram-se com brio e conseguiram não só não partir nada, como fazêr-nos adivinhar o que pretendiam dançar.

Desenganem-se os puristas. Não deixaram de cativar-nos. Pelo contrário, encurtaram-se distâncias.



É o Pombo que está de serviço!


Pouco tempo antes de acabada a comissão, o Pombo Rodrigues deixou-nos, passou para a lancha do Aguiar de Jesus – tínhamos uma operação de seguida – e aguardou transporte para Lisboa onde retomou a vida civil.

Cada vez dormíamos menos tempo, na mesma medida em que o gastávamos em mais demorados colóquios inteligentes e escorripichávamos mais copos. Em abono da verdade, cumpre-me dizer que esta última afirmação não é universal.

Após mais uma noite em que aturadamente nos esforçámos por resolver os problemas do mundo – o da Guiné incluído – foi já madrugada adentro que recolhemos aos beliches.

Os serviços rendiam à alvorada. Pontualmente, abluções completadas e duche tomado, trajando uniforme branco colonial, o Sampaio Cabral encetou a sua divisão de serviço.

Mas a mornaceira envolvente, a reacção ao banho e ao matabicho somados ao défice de repouso, potenciados pela visão da cadeira postada na tolda onde à vez nos refastelávamos… foram irresistíveis.

Quando Neto Valente subiu e o viu a dormir de braçadeira na manga da camisa, acordou-o:

- Senhor Oficial de Dia!

- É o Pombo que está de serviço.

O Comandante era um homem sábio. Mandou que um de nós fôsse cuidar do Cabral e pô-lo nas calhas. Cena muito lembrada em todos estes anos. Ainda é.

Mas agora, o Cabral já não pode ouvir-nos perguntando:

- Com que então era o Pombo que estava de serviço?



Recepção à ‘Diogo Gomes’

A Diogo Gomes chegou a Bissau pelas duas da tarde do dia 15, 3ª feira.

Aguarda-se que entremos ainda numa operação, coisa em grande, com muitos navios, o que não invalida o contentamento de vermos aproximar-se o regresso, desejado desde o momento da partida e quadro melhor desta vida de viageiro.

Na quarta (ou foi na quinta-feira?) demos expressão ao nosso estado de espírito, oferecendo aos nossos camaradas recém-chegados uma recepção muito participada, com manga de ronco.

                                                                   Bissau, Vouga, 17 de Setembro de 1964

                                                       Bissau, Vouga, 17 de Setembro de 1964

Bissau, Vouga, 17 de Setembro de 1964
Reconheço Roncon, Silva Marques, Sampaio Cabral, Ribeiro Reis, Bernardino Pinto, Henrique Sales Grade e Couceiro

               Bissau, Vouga, 17 de Setembro de 1964. Silva Coelho, Silveira Ramos, Luís Penedo e Salgado Soares

Bissau, Vouga, 17 de Setembro de 1964
Imediato, Luís Penedo, Sousa Santos, Pacheco, Vasco Madeira, Cardoso Tavares, Martins Gomes, Castanho Paes

                                                       Bissau, Vouga, 17 de Setembro de 1964



Operação Tornado

Sem que lhe tenha pedido, dou agora a palavra a Carlos Geraldes:

“Bissau, 23 Set. 1964

Chegámos no “Vouga”, ontem à noite. Tudo ainda me parece um pesadelo que desejaria não ter vivido. A operação “Tornado”, como se chamava, foi terrível. A região era a pior que já vi, toda semeada de bolanhas, completamente alagada pela chuva que tem caído incessantemente. Não era terra nem água mas sim uma enorme região mergulhada em lama líquida. Uma lama viscosa que, nos prendia como tenazes. Quando algum de nós mergulhava até à cintura, eram precisos três a puxá-lo para ao fim de muitos esforços o arrancarem de lá sem botas e com as calças em farrapos.

Localização: zona Sul, entre Cacine e a fronteira com a República da Guiné.
Saímos daqui no nosso habitual contratorpedeiro “Vouga”. É o único navio grande que está cá, tendo chegado agora um outro que, o vem substituir, a fragata “Diogo Gomes”.

Chegámos diante da famigerada Ilha do Como, ao fim da tarde. Pelas nove da noite passámos para lanchas de desembarque. O Carvalho na mais pequena, a LDP 101 e eu e o Castro, o capitão e o grupo de comando da Companhia, na maior a LDM 202.
Subimos o rio Cumbijã e desembarcámos finalmente em terra, pelas seis da manhã do dia seguinte. Se é que aquilo se podia chamar terra. Era só água, lodo e o entrelaçado dos ramos do mangal que delimitava as margens. Atravessada essa primeira barreira, estendia-se à nossa frente um enorme arrozal, tendo como pano de fundo um formidável maciço de palmeiras e mato cerrado. Dispersámo-nos o mais possível e fomos avançando com todas as cautelas.

Desta vez foram alguns grupos pequenos que nos atacaram com tiros inofensivos, fugindo sempre quando tentávamos apanhá-los.
Já a uns 200 metros da mata ouvimos as primeiras rajadas de pistola-metralhadora, de um grupo de cinco ou seis que deviam estar empoleirados no cimo das palmeiras. Sempre o mais abaixados possível e fazendo fogo de vez em quando, para nos protegermos, lá nos fomos aproximando cada vez mais. Mandámos duas ou três granadas de morteiro e uma rebentou mesmo na orla das árvores. Após meia hora de tiroteio e vendo talvez que a nossa manobra de envolvimento os pudesse vir a dominar, fugiram e nunca mais ouvimos as famosas rajadas de pistola-metralhadora, a tão característica PPSH, a costureira, pois faz um matraquear que lembra uma máquina de costura.

Depois deste primeiro incidente, continuámos a progressão atravessando a mata até encontrarmos uma estrada. Uns metros mais à frente fomos novamente alvejados por vários tiros que nem soubemos de onde vieram. Ninguém ficou ferido mas como não respondemos, tornaram a fugir, deixando-nos o caminho livre. A táctica deles foi sempre a de utilizar grupos pequenos de 5 ou 7 que, rapidamente se deslocam para qualquer lado, flagelando e fazendo parar Companhias inteiras. Como não os conseguimos ver, fogem sempre que lhes apetece. São extraordinariamente ágeis, pois por duas vezes, dois grupos deles (alguns até já usam farda camuflada) iam tropeçando nas nossas posições, mas logo que davam por isso, desapareciam com tal rapidez que pareciam eclipsar-se. Mesmo assim creio que matámos alguns.

Esta operação durou três dias, sábado, domingo e segunda-feira. O último dia foi o pior, pois choveu sempre, ininterruptamente. Actuaram mais de 900 homens e a missão que nos coube consistia em formar uma linha de cerco à volta de uma mata onde se acoitava o inimigo. Ali parados, enrolados nas capas impermeáveis que nos abrigavam da chuva que não parava de cair, por volta do meio-dia já tiritávamos de frio. Mas o pior, o que mais custou, foi o lodo e os pântanos intermináveis que tivemos de atravessar, sem qualquer esperança de amparo, sem qualquer protecção, receando a morte que nunca se faz anunciar.
Como consolo valeu-nos a habitual e sempre simpática recepção que tivemos no regresso, quando embarcámos no “Vouga”, por parte dos nossos já conhecidos companheiros destas lutas, os oficiais, os sargentos e os marinheiros daquele barco de guerra.”












Hidra e Cassiopeia

Chegaram a 19, estávamos na Tornado. Assim que voltámos fui raptado pelos comandantes: Isaías e Pessôa Lopes. Os dois navios estavam de braço dado no cais de Bissau. Fiquei a par das novidades de Lisboa, por onde andava a malta do curso, etc. Só depois me apercebi que faltava o mais importante, que se tratava de ser o terceiro coudel de um interessante jogo de cavalos de corrida, o Totopoly. Comprado pelo Pessôa Lopes que o descobrira recentemente, era um passatempo viciante. Com a ajuda dos habituais gins, whiskeys e tapas, a noite durou até quase de manhã. Sempre fui dado a jogos de mesa e fiquei encantado com este. Não descansei enquanto não tive um, o que aconteceu anos mais tarde em Inglaterra e fez as delícias da gente de minha casa. Jaz arrecadado num baú mas vou recuperá-lo para os netos.



Ronco de despedida

Foi muito concorrido. Camaradas, amigos, forças vivas de Bissau, toda a gente que interessava esteve presente. Ementa cuidada. Um ou dois cascos de Chateau Paiol ao alcance de todos.

                                       Lacerda, Couceiro, Pacheco, Lemos, Malhão, Chico Monteiro…

                      Ladeado pelo Comandante e por Lopes de Mendonça, Arnaldo Schulz, o Governador

                                            Ao meio, o Lino Góis Ferreira, o Roncon e a Conchita

                          Os Roncos do Vouga eram sempre Domingos de Ramos, tal a profusão de palmas

                                              À guitarra o Luís Penedo e à viola o Silveira Ramos

                                                  A artilharia tem mais préstimo que fazer fogo




Largada para Lisboa

Às despedidas esteve um mundo de gente, deixando-nos desconfiados de que gostaram de nós e fomos úteis.

Foi de Bandim, do cais da Sacor, onde atestámos os tanques de nafta, que saímos Geba abaixo no dia 29 de Setembro de 1964. Eram três horas da tarde, cinco em Lisboa.

E quando começámos a navegar tivemos durante algum tempo a escolta que as fotografias mostram.








O Torpedo

Rusty Nail é um cocktail escocês que mistura Drambuie e scotch em proporções variáveis com o gosto de cada um, que pode ser enfeitado com casca de limão e ainda incluir ou não umas pedras de gêlo (Straight Up Nail).

Bebida que caiu no gôto dos oficiais do Vouga e foi sofrendo changes ao longo do terço final da estadia na Guiné, com tendência crescente para a riqueza em etanol, maior facilidade de acêsso à vasilha contentora e simplicidade de execução. Foi assim que se chegou à fórmula última, que os escoceses para mal das suas vendas não sabem, mas cujo conhecimento passa agora a ser mundial:

- Tome-se um copo para água, da palamenta naval;

- Deixando dêdo e meio de borda livre, vertam-se em iguais quantidades,     Drambuie e whiskey escocês (velho de preferência).

É tudo. Nesta versão passou a chamar-se Torpedo, mas há quem prefira TNT.

Foi através deste verdadeiro rabo de galo generosamente servido a nós próprios e a muitos amigos de visita, que alguns estarão para saber a razão do sono tão profundo de uma certa noite.

Estávamos treinados e raramente houve seqüelas entre nós.

Estávamos no Funchal, a poucos dias de casa e o Imediato recebia a visita do seu homólogo do HMS Protector. Como era de praxe, cada um se entreteve com o seu Torpedo, o que no britânico teve um efeito tão deletério quanto rápido.

Cambaleante, percebendo o veloz efeito inebriante da beberagem, terá querido retribüir a gentileza e convidou o Imediato para a câmara do seu navio, atracado à nossa pôpa. Este, de saída disse-me ao que ia e que não demorava. Quando achei grande a demora resolvi ir ao Protector. O Imediato estava knock-out. Não sabia o que lhe tinham dado a beber. Sabia apenas que bebera pouco e que estava zonzo de todo. Amparei-o até ao Vouga. Vingança de inglês. Um dano colateral.                                 

                                                                  HMS Protector



O Juca

                                                     Funchal, Outubro de 1964. O Juca

Sob tutela do Bandeira, o Juca veio para Lisboa. Em pouco tempo os milandos que o primata lhe criou em casa agravaram-se ao ponto de a serviçal lhe ter pôsto o dilema: ou ele ou eu! Nada sei da natureza dos problemas, mas não me admiraria que tivesse relação com odor de fêmea. Não houve escolha. O Bandeira terá sem sucesso tentado dar o bicho ao Jardim Zoológico. Conseguiu entretanto que o Comandante Busttorf Guerra o aceitasse na sua quinta para os lados de Azeitão. Não durou muito. Repetiram-se incomodidades com a empregada e o Juca voltou para o Bandeira, que o terá devolvido à Guiné. 



Funchal, Outubro de 1964

Alugámos um automóvel e passeámos pela Madeira.






15 de Outubro de 1964

Já com oito meses – quase um homem – conheci o Pedro.







À guisa de posfácio

O corpo, gelha aqui gelha ali, encolhendo-se apertado na pele lavrada, desajudado adentro no ranger silencioso das engrenagens, gastas as almofadas da coluna que o reduzem, mal azeitados os tornéis e cardãs, cada vez mais hirtos; o corpo, apequenando-se, constringe a alma, que em contra-ciclo, sempre desperta, cresce a cada vivência, a cada nova experiência, busca espaço e procura libertar-se.

Não tendo conseguido ainda, continua a guiar-me em cada testemunho escrito, repositório de memórias alinhavadas sob um norte titulado de ‘Enquanto me lembro’.

Que neste caso bem melhor seria “Enquanto nos lembramos” para abarcar os que me ajudaram a lembrar.

Mezena
CLV, 12 de Março de 2014






ANEXO ALFA

Galeria com Bajudas


















ANEXO BRAVO

Galeria com Bojudos

Neto Valente ia nos cinqüenta e dois anos quando largámos de Lisboa. Já  se não lhe vislumbrava nenhum resto da elegância que decerto fôra a sua quando rapaz. Como muitas vezes acontece não perdia a esperança de voltar a caber nos fatos pendurados no guarda-roupa, conservados em naftalina. Anos depois, numa das metamorfoses do Corpo de Marinheiros de que foi 2º Comandante e estando eu na 2ª Repartição, constatei isso mesmo. Mantinha na residência oficial um aparato de treino de remo que utilizava ao fim do dia e com vaidade confidenciava-me os êxitos que ia conseguindo. Lembro-o com amizade.  

Afora ele, todos ao tempo se mantinham desenxovalhados, com silhuetas, senão de manequins, pelo menos muito desempenadas.

Afinidades e afectos tornaram o agrónomo Silveira Ramos e o clínico Acácio Branco, sócios de mérito do pequeno clube que a Câmara de Oficiais passou a ser, quando com regularidade anual, decidiu reünir-se em convívios gastronómicos nas noites de  Lisboa. Alguma proximidade trouxe também até nós o Perry por duas vezes. Mais recentemente, com muito acêrto, decidimos passar os nossos convívios para dia claro e almoçar apenas.

Primeiro em grandes festins, muito e bem regados. Agora, recorrendo mais ao peixinho grelhado, com excepções, claro, como foi o arroz de lampreia de há um mês; embora não se dispense um bom vinho de mesa, há garrafas que não se acabam e há mesmo quem já beba água.

Tempo houve em que continuávamos a querer fazer prova da nossa jovialidade bebedora. Lembro-me de após um opíparo jantar - Março de 1982 - termos ido para a casa do Bandeira, um solar no Bairro Alto que conservava chumbadas nas paredes do pátio as argolas de ferro para amarrar as bêstas. Instalou-nos numa espécie de grande cofèrdame logo abaixo do telhado, todo forrado a boa madeira crua, onde continuámos por horas as nossas libações e inteligentíssimos diálogos. Quando o dono da casa bocejou, reagimos com prontidão ao sinal e saímos. Para onde? Para casa do Pombo que não distava muito. Mais umas quantas horas… É no fim destas reüniões que se amontoam as asneiras. Démos cabo de todas, não sei quantas garrafas, da então ainda soberba reserva de Carvalho Ribeiro & Ferreira a recato em casa do moço. Saímos era já dia. Não sei o que ganharam os outros. A mim coube-me uma inesquecível dôr de cabeça.

Entretanto a Terra deu cinqüenta vezes a volta ao Sol e dos que restam, poucos escaparam à papada e ao inchamento das aduelas. Daí que ao incluir aqui fotografias nossas do post-Guiné, tenha chamado a este anexo, ‘Galeria com bojudos’. Não fica mal, pois não?...

Aqui ficam alguns registos:

Março de 1982.






Março de 1983.







29 de Março de 1985. Lisboa, num restaurante chinês na Duque de Loulé (?)






15 de Abril de 1988



Abril de 1989
Martins Gomes e Bento foram a casa do Comandante mas não conseguiram arrastá-lo. Já não se sentia em condições de os acompanhar ao restaurante. 







Lisboa, 16 de Abril de 1993, ao Arco do Cego (?)





Lisboa, 10 de Março de 1994.




Lisboa, ‘O Arpão’, 3 de Março de 1995




Lisboa, ‘O Apuradinho’, 15 de Março de 1996





Lisboa, ‘O Apuradinho’…



Marrazes, ‘Tromba Rija’, 20 de Outubro de 2001




Celeiro, ‘Pérola do Fètal’, 14 de Maio de 2003








Lisboa. CMN, 29 de Abril de 2005









Cascais, Messe, 9 de Abril de 2008
















Lisboa, CMN, 12 de Janeiro de 2012







Lisboa, CMN, 6 de Fevereiro de 2014

















fim



Depois do fim

Lisboa, CMN, 3 de Setembro de 2014

O escrito acima mereceu comentários de familiares de oficiais de marinha aqui presentes, alvo de prosa ou apenas em fotografia. Foram os casos do comandante do ‘Vouga’, Rui Adélio Neto Valente e do comandante da ‘Deneb’, José Manuel Burnay.

O teor dos comentários e a nossa curiosidade levaram-nos a convidá-los para o mais recente convívio que foi por isso enriquecido com a presença de Miguel Neto Valente e Suzana Neto Valente, netos de Rui Adélio; e Teresa Burnay, filha de José Manuel.